_
Por Marcos Santos Mourão (Marcola)
Um aspecto essencial à educação é o desenvolvimento de formas saudáveis de convivência social. Os jogos na aula de Educação Física podem se constituir como valiosos elementos de prática, consciência de regras e construção da autonomia, uma vez que quem joga enfrenta um conjunto de normas, valores e atitudes que norteiam a ação de todos. Esse enfrentamento, e aí reside a importância da intervenção do professor, pode ser feito de duas formas: com base na promoção de recompensa e punição, ou na experimentação e na descoberta.
Recompensa e punição
A recompensa e a punição são as formas, talvez uma das, mais comuns nas práticas tradicionais de Educação Física. Nelas, o vencedor é extremamente valorizado e as transgressões são punidas com descontos, punições e perda de pontos. Neste contexto, as crianças são submetidas a códigos de regras inflexíveis e a cobranças de resultados, inclusive dos próprios colegas e professores. Não há espaço para discussão e construção do que pode ser feito no jogo e do por que disso. Segue um exemplo desta situação em uma aula de jogos e brincadeiras:
As crianças saem para brincar de um jogo coletivo de pega-pega. A brincadeira começa e, após alguns minutos, alguns alunos começam a desobedecer a algumas regras. O professor começa a dar bronca e a retirar do jogo aqueles que não estão cumprindo os "combinados". A brincadeira continua e surgem alguns conflitos entre as crianças:
- Ele está roubando! - Diz um aluno.
- Ele foi pego e não ficou no lugar! – Outro reclama.
- Eles estão nos provocando! – Diz o outro time.
O professor interrompe a atividade, responsabiliza os alunos pelo fracasso do jogo, divulga o resultado final e termina a aula.
Nesse caso, percebemos que a ação do professor em relação ao comportamento das crianças frente às regras não é considerar que elas precisam de ajuda para entendê-las e praticá-las. Uma vez que acredita que a regra é um regulador meramente externo, ele vê seu papel como alguém que apenas deve controlar as ações do jogo, com interrupções e punições dignas de um árbitro. Esse tipo de intervenção docente, acumulada ao longo dos primeiros anos do ensino fundamental, trará efeitos marcantes na relação das crianças com a prática e a consciência de regras nos jogos, pois as distanciarão da relação e do vínculo afetivo que as regras dos jogos possuem. A tendência é que elas cumpram “os combinados” com pouca autonomia, apenas por receio da punição.
Experimentação e descoberta
A experimentação e a descoberta, por sua vez, demandam um olhar menos imediato para o resultado e mais prolongado para o processo. Neste outro contexto, as crianças são estimuladas a refletir sobre a importância das regras, a discutir coletivamente seus efeitos e suas ações, e, principalmente, a conhecer seu caráter regulador ao invés de arbitrário. Vejamos um exemplo:
“As crianças saem para brincar de um jogo coletivo de pegador. A brincadeira começa e após alguns minutos, algumas crianças começam a desobedecer a algumas regras. O professor interrompe o jogo e pede para que as crianças sentem em roda. Neste momento, ele retoma as regras principais do jogo e avisa que alguns não as estão cumprindo. Conversa sobre a importância de se seguir jogando da forma explicada e pergunta se alguém tem alguma sugestão de mudança.”
Nesse caso, percebemos que a ação do professor em relação ao comportamento das crianças é considerar que elas precisam de orientação e ajuda para praticar o jogo, pois acredita que o não cumprimento das regras pode ter ocorrido por uma falta de prática ou consciência destas. Ao invés de controlar as ações do jogo meramente punindo, ele resolve discutir com o grupo as ações observadas, tornando a regra algo pertinente a todos. Esta forma de atuação docente certamente trará efeitos na relação das crianças com as regras dos jogos, só que no sentido da autonomia e da cooperação, uma vez que terão suas ideias e ações frequentemente consideradas pelo grupo e pelo professor.
Assim, a relação entre os jogos e a educação, como vimos, depende e muito da forma como o professor olha e atua com as regras. Ao trabalhar no sentido do desenvolvimento de uma educação voltada para a autonomia e a cooperação, o professor pode oferecer jogos que, entre vários aspectos, valorizem a ação da criança, na qual a preocupação esteja voltada para a discussão e a reflexão sobre as regras, favorecendo o desenvolvimento de um ambiente moral construtivo.