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Por Vania Marincek e Fernanda Silvares
A vida em sociedade exige a presença de regras. Sem dúvida, há espaços que contam com um maior número delas, e, outros, com um número mais reduzido. Tais diferenças se devem às características do espaço e, sem dúvida, ao público que o frequenta.
Da mesma forma como as regras organizam os espaços, primando pela soberania dos interesses coletivos, elas também possibilitam a organização interna dos indivíduos que se reúnem em tais ambientes. Ao se preparar para ir a uma peca de teatro, espetáculo de dança, ou mesmo, ao cinema, por exemplo, as pessoas precisam antecipar algumas situações; a atividade tem um tempo de duração, horário de início e fim, é preciso chegar com um pouco de antecedência, deve-se estar com as próprias necessidades minimamente atendidas para não sentir muita fome, sono ou necessidade de ir ao banheiro para não perder parte da apresentação, não se pode estar aguardando uma ligação urgente, pois o uso de equipamentos eletrônicos não é permitido. O exemplo pode parecer simplório, mas oferece um elemento importante de ser considerado quando estamos falando de um tema que, por vezes, pode se mostrar polêmico. A regra organiza os contextos sociais e também os sujeitos que neles atuam.
A escola é uma instituição que, entre outras coisas, caracteriza-se como um dos primeiros contextos sociais em que as crianças se inserem. Depois do convívio familiar, é na escola que as crianças enfrentam os desafios de interagir com as outras e atender as regras que organizam o funcionamento coletivo. O “diálogo” entre os desejos e os interesses pessoais e as regras de funcionamento coletivo impõem para as crianças um grande desafio. Quantas vezes as ouvimos afirmarem “ - Mas… Eu queria.”? Deixar de lado o que eu quero naquele momento para cumprir como o que está estabelecido para todos não é tarefa fácil para as crianças. Por vezes, nem mesmo para os adultos. Mas, sem dúvida, é um aprendizado que contribui para que possamos enfrentar inúmeras situações de nosso cotidiano.
As regras dentro da escola regulam tanto a ação das crianças como, por vezes, de seus familiares. Um exemplo simples desse sistema é o próprio horário de funcionamento das aulas, a hora de entrada e saída acaba por definir o horário do almoço, do jantar, do banho e de outras atividades do cotidiano familiar.
A flexibilidade de alguns contextos faz com que, eventualmente, fique confuso o que é regra e o que é uma possibilidade, um valor, uma orientação que visa favorecer as relações e o convívio entre as pessoas.
No F1, os alunos estão em um momento de sua formação em que começam a entender que a regra está a serviço de regular o convívio. Antes disso, as crianças ainda não conseguem generalizar e nem se distanciar de seu jeito de ver o mundo, totalmente focado em seus desejos.
É exatamente a partir dos 7 anos que passam a começar a considerar o entorno e os outros e, ao longo do F1, passam a entender cada vez melhor a necessidade e o uso das regras para garantir o convívio.
No início, as regras são ainda entendidas como dogmas a serem seguidos. À medida que crescem e que também vivem muitas situações em que as situações de convívio são balizadas e resolvidas pelas regras, vão se dando conta de sua função.
Nos anos finais do F1, as crianças ampliam suas possibilidades de compreensão e de estabelecer relações, o que lhes traz maiores possibilidade de argumentação. Para os pais, esse é um momento em que reconhecem que os recursos que utilizavam com seus filhos na colocação de limites se mostram pouco eficientes, a criança passa a utilizar argumentos muito mais lógicos e é comum passarem a imagem de que já são “senhores de suas vidas, quase adultos”...
Os pais de primeira viagem, desavisados, muitas vezes, deixam-se levar por essa impressão, mas veem suas apostas naufragarem em seguida pois, apesar de reproduzirem um discurso muito articulado, próximo ao de um adulto, as crianças ainda são crianças e não sustentam as posições em que se colocam.
Na escola, observamos esse movimento nas reivindicações dos alunos de final de 4º ano, ou ao longo do 5º. Começam a se articular, a questionar as normas, a perceber os colegas como parceiros de reivindicações. Querem organizar eventos, mobilizações, mudar combinados e transpor regras, mas ainda não dão conta de considerar todo o planejamento prévio que sustenta esse tipo de ação.
Cabe ao adulto atuar como modelo não só no cumprimento das normas, mas também auxiliando na organização das ações propostas por eles, quando se mostram em consonância com as normas estabelecidas e passíveis de implantação.
Dialogar com as crianças, deixar que exponham os argumentos que construíram e, ao mesmo tempo, ajudá-los a compreender as limitações de suas reivindicações, e também propor que planejem a implantação das mudanças que reivindicam, quando se mostram possíveis, oferecendo ajuda para tal, são formas de apoiar o crescimento, valorizando o cumprimento das regras.
As crianças certamente entenderão, sentir-se-ão respeitadas e avançarão na construção de sua moralidade.