Simpósio interno... “Pra que isso, meu Deus?”

8_10_2014

Por Ivone Domingues 

Na terça-feira passada, se você encontrasse alguém xingando baixinho pela escola poderia ter certeza de que havia uma forte razão para isso. Era a data-limite para a entrega do texto do Simpósio.

Nesta semana, iniciamos este momento simbólico na cultura da Escola da Vila, o Simpósio Interno 2014, ocasião em que cada membro da equipe pedagógica apresenta − em mesas de debate − o artigo que produziu ao longo do ano sobre sua prática profissional. O tema deste ano é a produção dos alunos.

Acompanho o Simpósio desde a sua criação, em 2005, e todos os anos tenho a sensação de presenciar um certo "milagre institucional". Criamos "tempo no tempo".[1] Em meio a tantas tarefas inerentes ao cotidiano escolar, todos se disponibilizam a escrever sobre seu trabalho e se dispõem a compartilhar essa produção em conversas cheias de ânimo, curiosidade e respeito. Nos encontros do Simpósio − neste ano teremos quatro datas e cerca de noventa trabalhos − há sempre um clima de entusiasmo, de certa vibração, o que me faz perguntar: “De onde vem isso?”. Afinal, depois de ouvir tantas lamentações... "Não vou conseguir, é uma sobrecarga enorme!", "Conheço tanta gente que trabalha em outras escolas, ninguém precisa fazer isso!".

Como o "milagre" se mantém, ano a ano, suponho que tenha algo que outorgue muito sentido à tarefa. Talvez esse sentido tenha origem na sensação de autoria, na oportunidade de dar e de receber novas contribuições para o projeto da escola, mas também, e por que não dizer, principalmente, na ruptura da relação rotineira com o trabalho, na possibilidade de olhar para ele de modo mais reflexivo e culto, na sensação de se sentir parte de um coletivo que aprende permanentemente.

Produzir esses artigos demanda um trabalho intelectual forte. Debatê-los envolve exposição, confronto de ideias, o que dá sempre um certo "friozinho na barriga", mas possibilita que cada um olhe de forma distanciada e reflexiva para a própria produção do dia a dia, enxergue-a a partir do olhar dos outros, o que permite que conheça mais profundamente e de modo mais amplo a proposta da escola. Entender melhor o que de fato acontece na escola como um todo nos torna mais conscientes da cultura pedagógica presente na instituição em que atuamos. O que, independentemente da nossa maior ou menor experiência institucional, sempre nos surpreende positivamente com a excelente qualidade do ensino que aqui se pratica.

Como a memória é algo sempre em reconstrução, vale a pena retomar os principais motivos que levaram a Escola da Vila a criar esse "malbendito" Simpósio. O maior propósito do Simpósio é fomentar algo que consideramos central para todos os profissionais da educação: a prática da escrita reflexiva. O Simpósio foi criado para isso. Para promover o que Donald Schön (1983) denomina de reflexão sobre a ação, uma análise a posteriori realizada pelo professor sobre as características e os processos do seu trabalho.

Com o passar dos anos, pela própria formação dos participantes, vários deles com mestrado, doutorado, pós-doutorado, os trabalhos foram se sofisticando e ganhando contornos mais acadêmicos. Esse aumento do nível de exigência se instaurou no grupo. Porém, sem a intenção de diminuí-lo, é preciso retomar o propósito inicial: espera-se que cada membro da equipe se dedique a refletir sobre o seu trabalho, usando a escrita como meio de tomar distância da sua prática pedagógica, possa problematizá-la, e se disponha a dialogar com seus pares a partir dessa produção. Sabemos que o estudo, a teoria, quando tomados com sentido são sempre necessários para avançar, mas é preciso dizer também que tão ou mais importantes são as ideias próprias, é a problematização do que se vive no ambiente escolar, pois é a partir desse debate que o conhecimento coletivo se constrói.

A Escola da Vila tem uma tradição de valorização das práticas de linguagem no seu currículo. É referência no ensino dessas práticas aos alunos. Como entende que o domínio desse conhecimento nunca está completo e o reconhece como central para a possibilidade de reflexão e troca profissional, sempre cultivou a escrita reflexiva nos seus processos de formação permanente. A organização do Simpósio, proposta sugerida por um antigo professor de história, Daniel Helene, deu um sentido maior a essa prática já existente, que carecia de um espaço de comunicação interno organizado no qual pudesse completar seu percurso. Cito isso porque acho relevante que a ideia tenha surgido de dentro do corpo docente. Revela que a valorização da escrita, do debate, assim como o espaço de construção coletiva do conhecimento é algo inerente à dinâmica da escola.

Após os encontros, alguns trabalhos são selecionados para compor uma revista digital que é encaminhada aos participantes do Centro de Formação e fica disponibilizada no site, possibilitando que a comunicação se amplie para outros âmbitos. Aos que se interessam pelos temas do ensino, sugiro que confiram os números anteriores e aguardem a publicação deste ano com ideias fresquinhas sobre o nosso trabalho.

Bom Simpósio para todos!

[1] Essa expressão foi usada por Patricia Sadovsky na palestra de abertura do simpósio de 2009 e nos deixou muito instigados. Voltamos a ela algumas vezes, tentando compreender o seu significado.