Crianças, jogos, regras e limites

Basquete

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Por Washington Nunes, coordenador de Esportes

O professor de Educação Física chega à sala de aula, aproveita o fato dos alunos já estarem organizados e explica o que será desenvolvido naquele encontro. Basta ele falar que vai desenvolver um jogo e os alunos começam a mostrar diferentes expressões no rosto: uns iluminam o sorriso, porque ansiavam por essa informação; outros começam a disfarçar e a se esconder para ficarem invisíveis; e outros ainda começam a se mover na direção dos amigos com quem querem jogar.

Mas, por que isso acontece? Será que o professor está fazendo algo errado? Será que eles não querem fazer essa aula? Será que jogar não é legal?

Não, nada disso. Na verdade, a resposta é simples: todos terão que respeitar regras e combinados e, para alguns alunos, isso é muito difícil.

Os jogos devem apresentar desafios motores e ser elaborados respeitando as características individuais e as necessidades de aprendizagem de cada grupo. Portanto, não há erro na escolha do jogo, pois ele já foi vivenciado por diferentes crianças da mesma faixa etária, e suas regras estão de acordo com a possibilidade de interpretação daquele grupo. Mesmo assim, o professor ouve:

“Eu quero jogar com o João. Se eu não jogar com ele, não vou jogar”.

“Eu não quero jogar com o Tiago. Se eu for do time dele, não vou jogar”.

“O meu grupo tem meninas, está fraco e eu não quero jogar”.

“Eu não quero jogar no grupo de meninos”.

Ao ouvir essas falas, como podemos pensar na organização de equipes?

Para que aconteça um jogo, tem que haver uma participação coletiva e de confronto e, logo a partir daí, começa uma “batalha” do professor para convencer a todos que, com qualquer formação, será possível jogar e bem, desde que se determinem e que se cumpram tarefas estabelecidas.

Definidas as equipes (ufa!), o professor vai para a quadra, distribui os alunos nos campos e o jogo começa. Em princípio, muitos se esquecem dos combinados: quem era defesa, ataca; quem era ataque, ataca também; e, no fim, o ponto fica para o outro grupo, pois não tinha ninguém na defesa. Além disso, algumas regras foram deixadas de lado, e o que todos querem é apenas ganhar (aliás, essa é uma atitude egoísta, que presenciamos em nosso cotidiano, principalmente quando assistimos a cenas de barbárie feitas por alguns torcedores de futebol!).

O professor pede que os alunos formem uma roda de conversa, rediscute as regras, pede que cada grupo reforce os combinados que tiveram de estratégia (quem ataca, quem defende) e, a partir daí, as atividades e o jogo reiniciam.

Passado um tempo, os jogadores começam a entender seus papéis e suas potencialidades. Todos vão compreendendo o mecanismo e as regras, e o jogo começa a ter uma série de estratégias desenvolvidas pelos alunos, que são capazes de criar diferentes respostas para resolver diversos problemas motores.

Passo a passo, o professor consegue aumentar o grau de dificuldade dos jogos, incluir diferentes movimentos que vão sendo experimentados, construídos e que viram “repertório motor”. Além disso, promove uma grande interação entre os alunos, pois, em um dia, os alunos são adversários e, no outro dia, fazem parte da mesma equipe. Com isso, aprendem a lidar com as diferentes características de personalidades de cada elemento do grupo.

E não nos esqueçamos dos limites estabelecidos nos jogos, pois, passado um tempo, o professor nem vai precisar ser o “árbitro” do jogo, porque as regras ficaram tão claras que ninguém tenta mais burlá-las.

Escrevi esse texto no domingo, após assistir a um daqueles graves momentos em que um filho se joga no chão de um shopping center, obrigando os pais a fazerem aquilo que deseja.

Sabemos que a vida não é assim. Muitas vezes queremos muito as coisas, mas, para que possamos obtê-las, caberá a nós um tanto de organização, de empenho e de merecimento e, mesmo assim, pode ser que não consigamos ter aquilo que almejamos.

Uma roda de conversa ou uma simples conversa ao “pé do ouvido”, em um pequeno jogo (que conseguimos enxergar a sociedade à nossa volta) ou no dia a dia com os nossos filhos, os limites não foram feitos para policiar ou reprimir, mas para estabelecer possibilidades.