Por que não faltar à SAD

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Por Fermín Damirdjian

Poucos debates hoje em dia são tão complexos, instigantes e desafiadores quanto aqueles sobre o melhor formato para uma escola que se propõe a incluir a maior diversidade possível de perfis pessoais e sociais. Tal debate transita entre uma estrutura convencional de uma grade horária até opções oferecidas aos alunos sobre projetos e atividades que eles mesmos poderiam escolher para preencher a sua semana. São apenas alguns dos modelos com os quais nossa equipe trava contato ao viajar pelo mundo conhecendo as mais variadas instituições de ensino.

Seja como for, sabemos que diversificar o formato e os conteúdos só pode acrescentar à formação dos nossos alunos. Entendemos que, para além do formato praticado pela Escola da Vila, o que se aprende dentro dos muros de uma escola se presta à constituição de valores e referenciais culturais que permitirão aos alunos transitar pelo mundo com um olhar aguçado, através do qual seja possível encadear os mais diversos fenômenos do conhecimento com a menor quantidade de fronteiras possível entre os campos do saber.

A Semana de Atividades Diversificadas, vulgo  SAD, procura desconstruir nossa grade horária semanal para oferecer aos alunos outra forma de entrar em contato com os mais diversos campos da cultura. E, com certa frequência, não muita, mas ainda assim dentro de uma margem que nos surpreende, alunos e eventualmente famílias nos trazem a pergunta: “Pode faltar na SAD?”. Embora se trate de uma pequena quantidade de alunos, vale a pena discorrer sobre o assunto.

Antes de prosseguir, é interessante revermos algo do que vimos na SAD no mês de junho.

Com a presença de um escritor, foi realizada uma palestra sobre os “Cem anos do genocídio armênio”. Um evento amplamente documentado por historiadores respeitados, além de um Prêmio Nobel de Literatura de origem turca – e que, justamente por tratar do assunto abertamente, vive exilado de seu país de origem, como muitos turcos que procuram investigar o evento, não reconhecido pelo governo do país como propriamente um genocídio.

Tivemos, também, uma palestra sobre violência e jogos esportivos em que foram tratadas tanto medidas práticas − que costumam ser tomadas por instituições mundo afora, policiais ou não, para coibir os atos violentos nos esportes −, assim como foi feita uma abordagem de natureza antropológica e psicanalítica sobre a dificuldade de separar a disputa simbolizada pelos valores próprios de um jogo daquilo que se transforma em ato de violência quando esses referenciais se perdem.

E, ainda, a oportunidade de assistir ao filme Nós que aqui estamos por vós esperamos, produção nacional do diretor Marcelo Masagão, que ofereceu aos alunos uma obra que perpassa, em brilhante trabalho de edição de imagens de época, uma trajetória da primeira metade do século XX. As guerras, a mídia, os espetáculos de massa; a música, os esportes, a formação das grandes cidades; a rápida mudança de paradigmas sociais, o desenfreado entrosamento cultural entre as nações; as vanguardas artísticas, o progresso tecnológico; o desenvolvimento urbano, o êxodo rural, as mudanças climáticas e as vanguardas artísticas europeias e latino-americanas são elementos expostos pelo filme, com os quais os alunos podem travar contato com o repertório curricular abordado em sala de aula nas mais diversas disciplinas.

Pois bem, essa é uma pincelada rápida do que ocorre na Semana de Atividades Diversificadas, para mencionar apenas o Ensino Médio. Faltou, ainda, citar as oficinas de dança, o início das pesquisas de campo do 2º ano e, provavelmente, outras atividades sobre as quais, por falta de espaço, não discorro aqui.

O fato é que essa inclusão de temas variados e a desconstrução de uma rotina rígida de aulas, sob o olhar da equipe, é um ganho. No entanto, algo ocorre que, para alguns alunos, é uma oportunidade para não frequentar a escola. Talvez porque a formalidade do conhecimento, distribuído e sistematizado em aulas, tenha ainda um peso cultural que remete à obrigatoriedade, àquilo que “cai na prova”.

Por outro lado, quando se busca enriquecer esse formato e conteúdos com elementos complementares, perde-se esse sentido de dever, tão enraizado na tradição escolar. O que não se pergunta diretamente em prova perde peso no imaginário dos alunos. E é aí que entra um valor, abstrato e dificilmente traduzido em medidas concretas, que é o do conhecimento. E aqui falamos do conhecimento sem bordas institucionais, disciplinares.  O conhecimento adquirido vivencialmente, seja ouvindo um palestrante, seja assistindo a um filme, seja fazendo uma oficina de música, visitando um museu ou a sede de um movimento social.

Consideremos agora outra situação: um aluno teve uma resposta em prova considerada “insuficiente” pelo professor em determinada disciplina. O primeiro argumenta que colocou ali aquilo que a pergunta pedia. Há um certo grau de sofisticação, porém, que o professor a essa altura consideraria necessário para que a resposta fosse plenamente satisfatória. Não apenas porque o assunto foi discutido ao longo de três aulas, e dificilmente possa ser bem resumido em poucas linhas, mas também porque esperamos dos nossos alunos certa riqueza cultural em seu repertório.

Por isso, o estímulo a ler jornais, ir a museus, ver filmes, frequentar teatros ou quaisquer outras contribuições para a formação dos sujeitos, além das lições de casa, dos trabalhos e das provas. Estes, formalidades necessárias para a vida escolar, devem estar a serviço de uma compreensão mais completa da sociedade e para a formação do caráter, pautados por princípios éticos.

As viagens de campo talvez sejam um bom exemplo de fusão entre formalidades curriculares e aprendizagem por vivências. Nelas há situações mais livres, e outras mais rigorosas de produção de conhecimento, mas todas procuram ampliar e flexibilizar o ato de conhecer.  A SAD caminha nesse sentido: transitar entre diversos campos do saber. Em última instância, essas devem ser premissas daqueles que escolhem a Escola da Vila. Faltar nesses dias é incorrer em uma contradição que explicita certo distanciamento do aluno em relação ao projeto que ele escolheu como seu.