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Minha história com a Vila...

Por Susane Lancman Sarfatti

Cara Escola da Vila,

Imagino que você já deve estar pensando o quão retrógrada sou em escrever uma carta a você, quando temos formas mais modernas de comunicação: Facebook, Skype, Vídeo conferência, Hangout... Mas, sou das antigas. E é justamente por isso que retomo a nossa trajetória nesses quase 20 anos de convivência.

Conheci você quando tinha 15 anos, uma menina em pleno processo de passagem para juventude, e eu, com um pouco mais de uma década do que você, aportando na Terra da Garoa, que mudou tanto que nem chove mais.

Sempre que penso na mudança da infância para a adolescência, me aparecem a imagem e as palavras da Alice no País das Maravilhas: “Ai meu Deus! Como está tudo esquisito hoje! E ontem estava tudo tão normal. Será que mudei durante a noite? Deixe ver: eu era a mesma quando me levantei hoje de manhã? Estou quase jurando que me sentia um pouquinho diferente. Mas, se não sou a mesma, então que é que sou? Ah, aí que está o problema!”

Você, Vila, tal como Alice, sempre se mostrou questionadora, tentando entender seus princípios e valores, tentando agir de forma coerente e respondendo de forma consistente a grande questão: “Quem sou eu?”

Confesso que me deslumbrei com tantas questões que você trazia, tudo exigia uma explicação. As boas ações pedagógicas e educacionais não bastavam se não tivessem respaldo teórico. Assim, as minhas certezas se converteram em dúvidas ou em busca pelo conhecimento, desde o primeiro momento em que iniciei o estágio.

Primeiro fui estagiária do 4º ano e me entusiasmava ver a forma que a professora instigava os alunos a discutir, parecia um grande maestro de uma orquestra maravilhosa. Impactou-me ler com alunos tão pequenos Graciliano Ramos, trabalhar algoritmos alternativos da divisão, relacionar a pontuação com tipologia textual... Nossa, que sabidos (palavra do seu repertório que absorvi) eram esses alunos. Nessa época, conheci a Delia Lerner, pesquisadora tão difundida no seu meio que passei a me achar também íntima dela.

Depois fiz estágio no grupo 4, conheci a Grécia, os Polos Norte e Sul, as versões de contos de fadas, os jogos matemáticos... Um mundo novo se abria. E, sem dúvida, a pesquisadora Emilia Ferreiro foi o ícone das novas descobertas com a teoria psicogenética da alfabetização que lemos ainda em espanhol. Deslumbrei-me com a forma que os alunos aprendiam sobre a língua com palavras e assuntos tão difíceis: Hércules, Atenas, mitos, Hera, pinguins, Amyr Klink, morsa... Era a curiosidade pelo mundo que abria as portas das letras.

No ano seguinte e por vários anos, fui professora da 3ª série. Costumo brincar dizendo que, como pulei quando pequena a 3ª série, passei muitos anos repetindo essa série, como professora. Foram momentos maravilhosos com alunos muito bacanas (mais uma palavra do seu repertório. E repertório também é palavra sua) e projetos e sequências didáticas instigantes. Você me apresentou autores que ajudavam a embasar o nosso trabalho: Beatriz Aizenberg, Bernard Schneuwly, Mario Carretero, Ana Spinoza, Ana Maria Kaufmann, Patricia Sadovsky... Essa sua busca em relacionar a prática com a teoria e vice versa me encantou e ainda me encanta.

Paralelamente ao trabalho em sala de aula, iniciei, no Centro de Estudos, dando cursos de formação de professores. E a criação do PIF, Programa Interno de Formação, foi um momento muito especial. Ficou claro para mim que fazer um bom trabalho com os alunos é um grande desafio, mas falar sobre o trabalho para colegas era um desafio ainda maior, pois exige um outro nível de reflexão sobre a prática.

No seu Centro de Estudos, pude refletir sobre a natureza do ser professor e os aspectos que permeiam a identidade docente, tornando o meu trabalho mais consistente e significativo para uma prática transformadora. Viajei dando cursos para Fortaleza, Salvador, Porto Alegre, Curitiba, Brasília... Enfim, entrar no avião com o curso em um pendrive, levar caixas com todo o material a ser distribuído e aportar nas escolas para representar o seu saber foi um grande aprendizado. Para tanto estudei muito Perrenoud, Cesar Coll, Monica Gardner, Zabala, Zabalza, Isabel Alarcão...

Passados alguns anos, veio um novo desafio: atuar no fundamental 2 como orientadora educacional. Um novo mundo de estudos se abria, o foco não eram mais as didáticas das disciplinas e áreas, nem tampouco a formação de professores: era preciso entender melhor sobre a construção moral do sujeito, as características da adolescência e seus conflitos emocionais e sociais, as novas configurações familiares, a atuação com as famílias... Novos autores: Puig, Savater, Yves ... e o retorno ao meus velhos amigos, Piaget e Freud, base na minha formação, antes de conhecer você.

A lista interminável de autores e pesquisadores da educação que listo nesta carta me parecem tão íntimos que escrevo como se fossem velhos conhecidos, por isso a falta do nome completo. Obrigada por tê-los me apresentado. Agradeço também aos muitos colegas e amigos de trabalho que conheci através de você.

Agora, cá estou no Ensino Médio. Poderia dizer que é um novo desafio pela nova faixa etária, contudo, hoje percebo que, independentemente da idade dos alunos, o desafio é fazer um trabalho de qualidade: é ser uma boa professora. E é isso que continuo buscando, sabendo que conto com o seu apoio e incentivo nessa longa jornada.

Parabéns pelos seus 35 anos! Você continua com uma aparência jovial e ativa, mais segura e estável, como qualquer mulher bem vivida com a sua idade que está mais madura.

Beijos,

Susane


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