#35anosescoladavila

Rogê Carnaval

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Por Rogê Carnaval

Lembro a primeira vez que ouvi o nome Escola da Vila na minha vida. O ano era 1997, eu refazia o 1º colegial numa escola tradicional do bairro do Pacaembu, muito perto de onde morava nessa época, Perdizes. Pelo meio do ano, meus pais se viram obrigados a devolver o apartamento alugado em Perdizes, e questões financeiras nos trouxeram de volta ao Butantã, onde temos um apartamento desde o início dos anos 80, no qual nunca havíamos morado. Acostumar-mo-nos com o novo bairro foi difícil, e talvez por isso meus pais nem sequer cogitaram nos trocar de escola. Foram anos difíceis, cruzando a ponte cotidianamente, enfrentando a intransponível Rebouças, morando muito longe da escola pela primeira vez na vida. Por outro lado, foi um tempo de novos aprendizados: usar o transporte público da cidade, o primeiro assalto (perdi um par de tênis que amava), desvendar outras partes da cidade distantes do bem comportado bairro de Perdizes.

O problema continuava sendo o desempenho nas exatas: matemática e física eram pedras no meu sapato! Um dia, uma amiga propôs que fizéssemos juntos aulas particulares com uma moça que ela jurava explicar matemática como ninguém. Conheci assim a Ligia. Ela estudava arquitetura e se sustentava com aulas particulares. Além de linda, eu a admirava pela inteligência e pelo posicionamento político. Lígia talvez nem saiba, mas me despertou de forma irreversível o interesse pelas questões sociais, algo que, lá na frente, seria decisivo na minha escolha profissional. Um dia, Ligia me perguntou: "Por que você continua estudando nessa escola tradicional, longe da sua casa, sendo que você parece infeliz lá? Aqui bem perto da sua casa tem a Escola da Vila, construtivista como a escola em que estudei, é a sua cara! Ou então o Equipe, que é bem pertinho também! Vai, se arrisca, Rogê!". Eu pensei que não fazia sentido mudar de escola, já que, a essa altura, eu estava na metade do 2º colegial. Mesmo instigado pelo que ouvia sobre a Vila e o construtivismo, meus parcos 16 anos não me permitiram tão ousada mudança.

Em 2006, já na FFLCH, vivi uma experiência de moradia coletiva numa linda casa do Morro do Querosene. Naquele ano, um dos meus melhores amigos e que morava comigo, o Fábio, havia sido contratado para trabalhar como professor de História na Vila. Eu era professor de cursinho nessa época. O que se faz em termos pedagógicos em um cursinho é essencialmente diferente do que se faz em uma escola, especialmente na Vila. Conversando sobre as práticas pedagógicas da Vila com o Fábio, eu enfim começava a entender o que havia perdido por não seguir o conselho da Ligia. Me encantava ouvir os projetos, as propostas, as produções dos alunos do Fábio. No ano seguinte, comecei a trabalhar em uma escola da comunidade coreana no Bom Retiro, mas mantive-me também no cursinho. Aos poucos, me encantava mais o trabalho na escola, ainda que não desgostasse de forma alguma em trabalhar com os pré-vestibulandos. Em 2009, o Fábio já havia saído da Vila para se dedicar integralmente à carreira acadêmica. Mas mantinha-se dando o curso de Revisão para o vestibular, opcional aos alunos do 3º ano do Médio. Ocorreu que, por razões de agenda, ele não poderia dar as aulas de revisão naquele ano, e me indicou ao então coordenador do EM, Armando Tambelli. Durante 6 semanas, revisei com aquele 3º ano temas como Revolução Francesa, Revolução Inglesa, neocolonialismo. Foi então que entendi de vez a besteira que fiz ao não seguir o conselho da Ligia: que alunos! Que escola! Que astral! Aquilo existia mesmo! Fiquei realmente feliz com o trabalho que executei naquelas semanas.

Em 2010, o professor Pedro Ravelli assumiu a coordenação da área de Humanas no EM. Armando precisava de um professor de História que pegasse apenas uma turma, algo como 6 aulas. Aceitei imediatamente! E assim cheguei oficial e regularmente à Escola da Vila.

Em 2011, a Sônia me convidou pra permanecer no EM e assumir também o 9º ano. Hoje, à frente dos 8ºs e 9ºs anos, sinto que cheguei aonde queria, cheguei ao lugar certo. Gosto do trabalho que realizo, do projeto da Escola, onde, além de ensinar, aprendo muito, com alunos e colegas. Nesse lugar, fiz amigos pra vida, além de proporcionar às minhas filhas um ensino em que acredito e que eu mesmo acabei não vivenciando como aluno. Hoje, é impossível não pensar: a Ligia tinha mesmo razão.