Educação, política e desconforto

Escola da Vila

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Por Fermin Damirdjian

Há um princípio no ensino construtivista que afirma ser necessário tirar o aprendiz de sua posição de conforto no que diz respeito a seu conhecimento de mundo. No fundo, trata-se de uma tendência inerente ao ser humano: um bebê passeia seus olhos por seu entorno, e qualquer coisa que lhe chame a atenção já lhe causará um desequilíbrio interno, o qual pode variar desde uma pequena atividade mental até querer alcançar esse objeto fisicamente.

Em outras situações, o desconforto surge internamente, por exemplo, quando esse bebê sente fome, o que lhe causa irritabilidade e, em condições normais de temperatura e pressão, isso será reconhecido por aqueles que o assistem e, assim, aquele choro, aquela cara, aqueles movimentos serão interpretados e vão gradualmente se transformando em formas de comunicação. Em estágios seguintes, a palavra vai tomando o lugar desses sinais físicos.

No caso de um educador, o que ele pode fazer é provocar um sutil desconforto nos alunos de acordo com o repertório que eles já têm, e assim oferecer um desafio intelectual que os mobilize a especular e a buscar respostas, construindo boas perguntas. Ocorre que, em muitos casos, os alunos mesmos trazem indagações por sua própria conta e voracidade intelectual, a partir de um repertório já adquirido que lhes permite observar o mundo e querer interpretá-lo. Aqui já não estamos falando necessariamente de estudantes, mas sim de jovens em geral, cuja curiosidade e inquietação se expressam vinculadas ou não à sala de aula. Nos referimos àqueles que colocam em ação suas dúvidas, tanto no papel de alunos como no de filhos ou cidadãos, sem distinções entre esses âmbitos. Devemos considerá-los, em última instância, sujeitos.

Ocorre que essa contemplação do processo educativo e sua relação com o desconforto também deve levar em conta a mobilização de outra figura: aquele que educa. Pai, mãe, padrinho, professor, orientador, não importa: se há alguém ali que se vê apropriado de seu papel, seja no momento de ouvir um choro e alimentar, seja ao se deparar com perguntas ingênuas, substanciosas, assertivas ou vagas, se esse sujeito educador é de fato receptor de tais mensagens, ele se vê e convive em situação de desconforto.

Um casal que busca oferecer à sua criatura certo grau de previsibilidade em horários de sono e refeições, para assim regular o ritmo fisiológico e dar a ela certa segurança psíquica, tem seu mérito, tanto como um professor que antecipa a rotina a seus alunos, seja de uma aula, seja do complexo percurso acadêmico ao longo de um ano. Antecipar o ouvinte é prepará-lo. Do mesmo modo, em um processo antecipatório de ordem menos racional, as expectativas daquele que educa e cria são fundamentais, pois estão carregadas de desejo e afeto, elementos que andam juntos e são determinantes na constituição da subjetividade.

Nessa dinâmica, porém, ganha corpo uma premissa paradoxal: é necessário estar preparado para o imprevisível. Podemos, e talvez devamos, antecipar o que pode ocorrer na vida, o que é natural fazermos, visto que, no mais das vezes, tal antecipação é fruto de ansiedade e desejo de realização, já que projetamos muito nos jovens aquilo que gostaríamos que com eles ocorresse. No entanto, eles nos surpreendem, sempre.

A situação política atual, que ainda nos custa delinear e interpretar com clareza, é palco fértil para a ação dos jovens. Não esqueçamos que eles já são aptos em termos físicos, psíquicos e culturais para elaborar questionamentos e projeções nutridas com forte carga de desejo e transformação. O que fazer diante disso, como pais e educadores? Passemos a outro âmbito para especular a partir dessa pergunta.

Com frequência, o ex-jogador, médico e colunista Tostão nos oferece observações sobre a dinâmica do futebol que transitam entre a amplitude das reações humanas e as ações de um jogador, um técnico ou um time em campo. Para além de analogias baratas, é possível encontrar o papel da previsão e do imponderável que, em última instância, estão no âmago do trabalho de um técnico. A técnica se prestaria a dominar justamente aquilo que é impossível de controlar: o surpreendente.

Expulsões, contusões, erros de árbitros, bolas perdidas, acasos, que não sabemos onde e quando vão ocorrer, e tantos outros detalhes e instantes fugazes mudam a história de uma partida, de um campeonato, ainda mais em jogos mata-mata. Por muito pouco, por muitos quases, fazemos isso ou aquilo, somos uma coisa ou outra, ganhamos ou perdemos. "Viver é um descuido prosseguido" (Guimarães Rosa).

"Instantes fugazes" - Folha de São Paulo. 30/08/2015

Apesar de tanto estudo e experiência, tanto seu time como o de seu adversário surpreendem o técnico com pequenos acasos e acidentes que alteram dramaticamente o que tinha sido previsto. Para muito além de grandes esquemas táticos, os pequenos elementos que permeiam a ação nos 90 minutos são as faíscas de riqueza e tensão que caracterizam e encantam em qualquer esporte.

A ação educativa não é diferente. Não faltam especialistas de toda ordem que estudam à exaustão e opinam sobre as variáveis que compõem a situação sobre a qual discorremos. Psicólogos, psiquiatras, professores, pedagogos, neurologistas, fonoaudiólogos, psicopedagogos e as respectivas especialidades de cada um desses âmbitos de conhecimento, para não citar mais, têm, muitas vezes, opiniões assertivas sobre como proceder. E, é claro, estão os pais, que não são menos sábios do que todos esses. Ao contrário, muitas vezes há um saber que não está em prancheta alguma, em livro algum, e que se manifesta em lances quase imperceptíveis no convívio cotidiano.

O psicólogo Júlio Groppa Aquino, justamente, procura se apresentar mais como um especulador do que como um especialista, e costuma atentar em suas apresentações e estudos para aquilo que há de improvisado no gesto educativo, e que talvez seja o principal momento de calor no ato de educar. Há reações e contrarreações entre alunos e professores, ou entre filhos e pais, que muitas vezes são frequentemente mais efetivas que ações pensadas previamente. Momentos compartilhados que apresentam o mundo em seu potencial criador, frustrante ou realizante. Isso não ocorre sem a surpresa não apenas da criança ou do jovem, mas também de pais e educadores que, sem deixar de se surpreenderem, conseguem, quase que por acidente ou de forma intuitiva, absorver inquietações e dar-lhes contorno. Mas isso não ocorre sem sair da previsibilidade do conforto.

Na atual conjuntura social e política, o mínimo que podemos esperar são reações juvenis que apresentem perguntas contundentes e propostas incisivas, denunciando o que eles encontram de disfuncional nas estruturas institucionais que aí estão, construídas supostamente para viabilizar a devida participação popular na vida pública. Reagir de modo a fazer um jogo raso e truncado não resolve nem permite a criação de novos caminhos. E esperar comportamentos previsíveis, por outro lado, seria ingenuidade.

Precisamos ter não necessariamente respostas, mas disposição para viver no acidente, na surpresa, oferecendo aos jovens contraposições firmes que estimulem não a ausência de criação, mas sim diálogos consistentes. Há valores tais como conhecimento, colaboração e autonomia que devem estar garantidos - e, para mérito desta escola, das famílias e dos próprios jovens, podemos afirmar que tais valores estão bastante presentes. Para além disso, esperar que esses jovens respondam de modo inquestionável um roteiro meticuloso previamente elaborado por pais e educadores seria não apenas ingenuidade, mas também um sinal de que alguma coisa está saindo errada em nosso projeto de formar sujeitos pensantes.