A política, os adultos e os jovens: qual é a interseção?

Escola da Vila

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Por Fermín Damirdjian 

Há quem diga que estamos vivendo um momento histórico na vida política do país. Inclusive, algo que acompanhe certo ciclo cronológico e geracional, ao menos desde o golpe de 1964, passando pelas “Diretas Já” e pelo impeachment de Fernando Collor. Para muitos, é um momento promissor, pois mudaram os atores de uma política incorreta, enquanto, para outros, mudaram apenas os atores, e tudo segue igual. Também estão os que entendem que era preciso fazer algo, mas não têm muita clareza sobre, justamente, o que deveria ser feito. As opiniões, enfim, são muito variadas. Pode-se concordar em algum aspecto genérico, mas, quando são aprofundadas as análises, as diferenças aparecem. Isso quando as pessoas têm opiniões sólidas, o que nem sempre acontece, especialmente em um momento que permite tantas especulações.

Mas o que opinam e o que fazem aqueles que ainda sequer votaram em uma eleição? O fato de não terem ainda idade para votar ou que estrearam seu título eleitoral em outubro deste ano turbulento, não significa que estejam alheios ao que ocorre. Se bem que é verdade que, por um lado, parecem ter opiniões contundentes em uma situação tão peculiar; por outro, é louvável que estejam em busca de algo a ser feito no mundo político. Dizemos louvável porque, se nós, eleitores adultos deste Brasil gigante, chegamos a concordar com alguma coisa, por mais vaga que seja, provavelmente concordaremos que algo precisa ser feito. Só não somos unânimes – ou não sabemos – o que deve ou pode ser feito.

Pois bem! Eis que muitos alunos têm manifestado opiniões políticas. As formas como isso tem ocorrido foram muito variadas: assertivas ou vagas, em pequenos agrupamentos, em grupos diminutos, individual ou isoladamente; com contundência ou com ar de desamparo; algumas vezes, com matizes violentos; outras, com diálogos extensos e inconclusos. Em certo aspecto, nada tão diferente do que também pode ser identificado no mundo adulto. Neste texto, no entanto, tentaremos nos ater justamente a algumas características que possam diferir das manifestações políticas entre eleitores velhos e, digamos, eleitores estreantes.

Talvez a melhor forma de encontrar as características próprias da vida política de um adolescente seja muito mais o papel que as atitudes dessa natureza cumprem em sua vida, e não tanto o conteúdo de suas opiniões. Para entender melhor, vale a pena nos determos para observar o que é que se exige desses adolescentes no mundo de hoje. Esta é uma maneira, ainda que limitada, de tentarmos nos colocar na pele deles.

Uma das coisas que os adultos mais cobram de um Homo sapiens de 16 anos de idade é que ele seja, de uma vez por todas, autônomo. Afinal, ele já tem dimensões anatômicas adultas, é fisicamente capaz de se vestir, arrumar o quarto, locomover-se pela cidade, estudar, praticar esportes e, por que não, pensar sobre o próprio futuro. Para não falar no direito ao voto. Em todo caso, quando não faz nada disso, nos surpreendemos, e lhe perguntamos o que está esperando para realizar qualquer uma dessas coisas. Afinal, o “mundo lá fora" não é mole e ele não poderá passar a vida entre os “seriados” e a geladeira cheia de guloseimas.

Há inúmeras formas de esse sujeito mostrar, justamente, que pode fazer muitas coisas que os adultos fazem. Ele pode beber cerveja, por exemplo. Ou pode também fumar cigarro. Pode andar pela cidade de madrugada. Os exemplos pelos quais ele sente que pode se aproximar da vida adulta é flertando, muitas vezes, com situações arriscadas – e, não raro, com uma imprudência fabulosa. Certo tempo atrás, publicamos, neste blog, um texto sobre o papel da discussão política entre pais e filhos. Tudo indica que vale a pena retomar esse assunto, inclusive por um viés que, agora, nos aproxime das organizações de adolescentes e jovens que têm como fim a ação política.

A política é, portanto, uma forma de participar da vida adulta. Curiosamente, os jovens costumam encontrar aí, com bastante frequência, forte resistência dos adultos que os rodeiam, sejam eles pais ou educadores, que agem diretamente com eles, sejam aqueles que os observam de longe. Os adultos que se deparam com os argumentos de um rapaz de 16 anos de idade o olham com indignação. Tal sentimento pode derivar basicamente de dois fatores: por um lado, ou porque esse adulto se espanta de como alguém dessa idade pode estar tão convicto do que diz, tendo ele argumentos a princípio ingênuos e pouca experiência de vida; e, por outro, um aspecto que pode se somar ao que acabou de ser relatado, mas que é ainda mais perturbador: o adulto se desespera porque o filho ou o aluno estaria "virando" algo muito ruim, politicamente falando. Estaria ganhando uma identidade que é totalmente diferente daquilo que o pai ou o educador esperam que ele seja.

Ambas as situações desprezam uma série de elementos fundamentais, que vale a pena enumerar. Em primeiro lugar, podemos pensar que, para além de buscar uma exposição física a um determinado risco para mostrar sua potência – como poderia ser o de abusar das drogas ou dirigir em alta velocidade, ou acampar em um lugar estapafúrdio, ou surfar em um mar revirado, por exemplo – estamos diante de alguém que busca um combate em uma via infinitamente mais madura. No caso do envolvimento político, trata-se de esgrimir argumentações que exigem repertório e articulação.

Também tratamos de valores, ética, ideias e ideologias, elementos abstratos que buscam apoio no concreto, no intuito, sem dúvida alguma, de uma melhoria que escapa tanto da qualidade do wi-fi para seus seriados quanto dos quitutes na geladeira: uma melhoria nada menos que do mundo em que se vive.

A ação política, se, por um lado, é um exercício de convivência em um grupo de fortes afinidades subjetivas, por outro, impele ao inferno das negociações para conviver e construir algo junto com os outros. O grêmio escolar é um típico exemplo disso.

Em suma: se queremos que nossos alunos e filhos ganhem autonomia para mostrarem a sua potência em âmbitos razoavelmente sofisticados e construtivos, precisamos abrir espaços para a contestação política dentro do respeito e da boa argumentação. O momento político do país é muito propício para isso.