Tarefa complexa ou complicada?

Por Divino Marroquini, professor de Química do Ensino Médio
e Daniel Mauro Justi, professor de Biologia do Ensino Médio

 

A educação para a alimentação é um tema, entre outros, que família e escola compartilham durante o crescimento das crianças e adolescentes. Temos hoje uma grande quantidade de informação, pela internet, TV e revistas, a respeito do que se deve ou não comer, de vários tipos de dietas para emagrecer, ganhar massa muscular ou de dietas restritivas quanto às fontes alimentares, tais como o ovolactovegetarianismo e o veganismo. De um ponto de vista curricular, vemos a importância de possibilitar aos alunos uma reflexão sobre tais informações perante o conhecimento científico, o que ocorre nos vários segmentos da escolaridade com diferentes abordagens e níveis de complexidade, porém sempre incluindo um olhar do aluno sobre seus próprios hábitos alimentares.

No curso de Biologia do 2º ano do Ensino Médio, os alunos realizam uma tarefa complexa sobre a temática “Nutrição”, cujo objetivo é promover a discussão acerca dos nutrientes e de seus valores calóricos, além de uma comparação entre as calorias ingeridas e aquelas que são gastas nas atividades físicas. Primeiramente, cada aluno é convidado a realizar o seu recordatório alimentar, o registro de todos os alimentos que consome durante três dias. Além disso, registram as atividades físicas praticadas nesses dias. Em seguida, utilizando as informações dos rótulos dos produtos industrializados consumidos e de tabelas confiáveis, como a Tabela de Composição Alimentar (TACO), publicada pela Unicamp, os estudantes contabilizam as quantidades de calorias, proteínas, carboidratos e lipídios ingeridas. Também determinam a energia despendida durante as atividades físicas de uma semana.

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Mas como se determinam as calorias que existem em um alimento, tal como aparecem na tabela TACO?

Para responder a essa pergunta, os alunos realizaram no laboratório um experimento com castanhas-do-pará e nachos industrializados. Um recipiente com água, de volume conhecido, é posicionado sobre a castanha, que é levada à combustão, de forma que o calor liberado pela queima do alimento aqueça a água. Com um termômetro, fazem a medição da temperatura da água antes e depois da queima da castanha. Os dados permitem aos alunos que determinem quanta energia aqueceu a água, que corresponde à energia que aquela massa de castanha pode liberar ao ser digerida. Todo esse procedimento foi repetido para o nacho industrializado.

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É interessante notar que os conceitos de Física, envolvidos nos cálculos realizados, foram desenvolvidos no curso de Ciências Naturais do 9º ano do Ensino Fundamental II, quando os estudantes realizaram um experimento com o objetivo de estabelecer a relação matemática entre a quantidade de calor recebida por um corpo e sua massa, sua variação de temperatura e a natureza do material. A sequência possibilitou que os próprios alunos propusessem o modelo matemático envolvido no fenômeno, em vez de receber uma fórmula pronta, o que é muito importante para a compreensão profunda das inter-relações das grandezas físicas. Ao relembrarem a fórmula que deduziram há dois anos, eles estão aptos a medir a quantidade de calorias que estava presente no alimento. Percebemos, nessa retomada, uma atividade de grande valor pedagógico, visto que os estudantes reutilizam aquela expressão, mas dando-lhe novo significado pela contextualização em um tema do cotidiano.
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Com os dados em mãos, os alunos determinam as calorias por unidade de massa do alimento e comparam qual dos dois, castanha ou nacho, fornece mais calorias e, assim, podem investigar sua composição para entender o motivo dessa diferença. A atividade realizada é também um momento importante para disparar a discussão dos limites e contornos que o experimento apresenta, sendo fundamental para a compreensão das incertezas nesses resultados.

Para a comunicação desse experimento, os alunos produzem um relato de experiência sobre todas as etapas da tarefa complexa, desde como fizeram o recordatório alimentar, passam pelo experimento e chegam à discussão dos hábitos alimentares que permeou as várias etapas da tarefa.

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Podemos ver, enfim, as possibilidades de aprendizagem que uma tarefa como essa propicia. Refletir sobre um tema de grande importância para a vida, desenvolver competências de leitura, escrita, manipulação de aparelhos, tomada e análise de dados, avaliação de resultados, e retomar para ressignificar conhecimentos adquiridos no cotidiano e nas séries anteriores. Por isso, a chamamos de tarefa complexa... Não porque pretende ser complicada, e, sim, porque conjuga objetivos de aprendizagem diversos perante temas que são multifacetados, pela sua própria realidade.