Vasto mundo

Vila Literária

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Por Vicente Domingues Régis

"Minha liberdade é escrever. A palavra é o meu domínio sobre o mundo."
Clarice Lispector

É com grande satisfação que chegamos ao lançamento de mais uma revista com os textos de alunos de 2º a 5º ano do Ensino Fundamental da Escola da Vila, produzidos para o IV Concurso Literário. Este concurso é mais uma das ações que compõem a Vila Literária, evento voltado para os alunos de Educação Infantil e Fundamental 1 com o propósito de festejar a literatura e sua relação com a música, o teatro e as demais linguagens artísticas.

Nesta edição, contamos com mais de cem textos que nos brindam com diversos personagens, conflitos, emoções e enredos, formando um grande retrato que revela a potência criadora do imaginário infantil. Ao passo que o leitor passeia por esse vasto mundo e suas histórias que só os olhos das crianças são capazes de contar, pode também vislumbrar as ferramentas que vêm sendo construídas ao longo da escolaridade por nossos alunos.

Convidamos, portanto, o leitor a percorrer esse caminho poético pelo imaginário infantil, para se deparar com uma bruxa que tinha os dentes muito sujos, mas que podia comer quatro pessoas de uma vez. Nesse caminho também se encontra uma curiosa explicação para a origem da raiva, que tem início lá no país das emoções, por conta de uma confusão entre uma bruxa e dois príncipes. Além de um planeta chamado Grhouland, que é habitado pelos Grhouls, que eram a raça mais triste que já existiu, assim como muitas outras possibilidades que só são possíveis por conta da inventividade e autenticidade dos nossos pequenos escritores.

Toda essa profusão criativa consiste num grande desafio para o júri do concurso. E, para contar um pouco dessa experiência, convidamos Claudia Aratangy, ex-professora da Vila, atual diretora pedagógica da Bahema, escritora de blog e leitora voraz, que participou do júri na categoria Histórias de Infância, do 4º ano.

Missão jurada

Ao ser convidada para compor o júri do VI Concurso Literário da Vila, além de honrada, fiquei um pouco receosa – como avaliar de forma justa os textos dos alunos? Seria eu capaz de fazer isso?

Escrever não é tarefa simples. Quando eu era criança, escrever na escola era um tormento. Por mais bem-intencionadas que fossem as professoras, o que nos propunham eram as chamadas redações, que tinham como tema datas comemorativas, passeios, férias ou o mais complicado de todos: o tal “tema livre” que nos aprisionava e torturava no enorme vácuo da falta de ideias. A indicação do gênero textual também não tinha limites claros: combinávamos relato, memória e até divulgação científica – uma salada. Para o bem ou para o mal, nossos leitores resumiam-se à professora e, em alguns casos, mães e pais. Fazíamos o que estava ao nosso alcance para tentar escrever algo que correspondesse às expectativas de leitores tão importantes. O resultado era pífio.

Hoje as propostas escolares são bem mais estruturadas, também porque são mais fundamentadas – os alunos leem e analisam os gêneros que irão escrever, aprendem a organizar suas ideias, planejam a escrita e, além disso, podem ter diferentes leitores para seus textos, pois não ficam mais restritos a uma folha de papel ou aprisionados em um caderno – o mundo é o limite, já que temos a web.

Assim, embora escrever continue a ser uma tarefa árdua, hoje há mais conhecimentos e recursos didáticos disponíveis, e os alunos se beneficiam deles. Ao que parece, quando nos deparamos com os textos do concurso, podemos concluir que, na Escola da Vila, escrever transformou-se em um desafio que meninos e meninas estão dispostos a enfrentar espontaneamente e com sucesso.

Como nunca havia sido jurada em um concurso dessa natureza, optei por participar em apenas uma das categorias – Narrativas de Infância – me arrependi depois, pois gostaria de ter lido mais textos.

Foi inspirador passear entre as memórias vividas ou inventadas das crianças. Observar como começam a estar atentas às escolhas que faz um escritor: busca de palavras para tornar o texto mais engraçado ou mais comovente, frases encaixadas para criar suspense ou empatia, a evidente preocupação com a cumplicidade do leitor.

Não foi simples eleger as narrativas para serem premiadas – gostaria de homenagear todos que se empenharam nessa tarefa! Como isso não era possível, busquei seguir as orientações da organização do concurso. Li, me deixei levar pelo impacto causado pela história e, em seguida, analisei em que medida a narrativa apresentava um fato de infância, caracterizava ambientes e personagens, temperava com pitadas de humor ou emoção e surpreendia com desfecho inusitado. Combinando critérios mais objetivos com outros um pouco mais subjetivos, fiz minha classificação. Curioso observar que nenhum jurado fez a escolha exatamente igual ao outro – o que confirma que muitos textos eram dignos da premiação. O resultado final é uma composição dos pontos em comum entre as várias escolhas. Acredito que fomos tão justos quanto possível!

Acredito que a experiência de um concurso – independentemente de ser premiado ou não – propicia aprendizagens preciosas e, espero, que cada ano mais alunos se atrevam a encarar esse desafio. Espero, também, poder participar novamente da difícil – mas prazerosa – missão de ser jurada.