Sobre uma partida inesperada, ignorância e educação

Escola da Vila

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Por Gabriel Castanho Sanches de Oliveira, ex-aluno da Vila

Durante esta semana, recebi com enorme pesar uma triste notícia. Que me tocou profundamente. A perda de uma das mais queridas professoras com quem tive o privilégio de aprender sobre tantas coisas. Inez Cerullo deixará em mim muitas reflexões e aprendizados, além de saudade. Agradeço sempre por ter tido a oportunidade de, ainda em vida, ter feito a ela uma singela homenagem.

A matemática, matéria que lecionava minha querida e já saudosa Inez, sempre foi um campo difícil para mim. Extremamente difícil. Ao longo de anos, apesar da boa vontade e insistência de outros grandes professores que tive, as dificuldades se multiplicavam. Proporcionalmente, aumentava também meu desinteresse. Isso me custou algumas férias fazendo reforço, horas e horas de aulas particulares e, no final das contas, uma repetência.

Até que cheguei ao colegial simplesmente ignorando a matemática. Ignorava a ponto de ser para mim uma imensidão escura, que eu não fazia o mínimo esforço para enxergar. Havia me tornado um perfeito ignorante.

Foi então que conheci Inez. O começo não foi fácil, o bloqueio que eu havia desenvolvido em relação à matemática era robusto. Além disso, eu não era um aluno exemplar do ponto de vista comportamental. Mas, de maneira sutil e natural, fui percebendo por qual caminho aquela mulher forte e doce me direcionava cautelosamente.

Meus amigos da época do colegial são testemunhas de que em determinado momento, já no terceiro ano, eu realizava todas as provas bimestrais sentado ao lado da mesa dela, virado de frente para eles. Era incrível. Algo totalmente diferente do que eu já tinha visto ou vivido. Alguns até questionavam o motivo, inclusive eu.

O que ninguém sabia é que tínhamos um acordo velado. O combinado era de que eu seria o exemplo para os outros colegas. Sentar ao lado da professora nos momentos de avaliação não era um privilégio, muito pelo contrário, poderia ser inclusive motivo de vergonha. No entanto, a representação daquilo era de que ela estaria do meu lado para encarar o desafio, desde que eu estivesse do lado dela e disposto a encarar a dificuldade. Foi uma parceria. Se o aluno com maior dificuldade estava disposto a encarar o desafio, quem poderia não estar? Se aquele que poderia arruinar as aulas estava ao lado da professora, quem não estaria? Se o aluno com maior dificuldade iria passar de ano e se formar, quem não iria? E assim sucedeu.

No dia da cerimônia de entrega do diploma, uma cena da qual jamais me esquecerei. Outro grande e saudoso mestre, Pedro Ravelli, professor de história, estava com o canudo na mão para fazer a entrega enquanto eu subia ao palco. Fazia todo sentido e eu me sentiria honrado, dado meu fascínio pela matéria e o professor em questão... Eis que Inez, de maneira surpreendente e bem-humorada, tomou-lhe o canudo e disse que faria questão de entregá-lo a mim. Pronto. Eu voltava a enxergar o mundo da matemática outra vez.

Fica o questionamento: seria a matemática ciência exata ou humana? E o que representaria um professor/mestre/educador, senão aquele que joga a luz de sua sabedoria sobre o aluno/discípulo e o ensina a encontrar o caminho para a própria luz?

Como eu gostaria que cada jovem estudante no Brasil tivesse a oportunidade de aprender matemática com a Inez, ou história com o Pedro...

E então me peguei refletindo esta semana. Que o Brasil é um dos países que menos investem em educação no mundo é claro e cristalino. Que nosso país tem um grande déficit educacional também. E então ganha força o discurso da ignorância. Ora, é exatamente o mundo da matemática que eu não conseguia enxergar. A escuridão, mesmo para quem não consegue enxergar, está lá. Mas não é vista. Com a ignorância é a mesma coisa. Discursos medíocres, rasos, contraditórios, segregadores, oportunistas acabam por refletir essa escuridão. Refletem a tal ignorância. Refletem também a canalhice daqueles que reconhecem a escuridão e somam-se a ela.

Mas render-se a escuridão? Jamais.

Onde há escuridão, haverá luz.

E que minha querida professora siga seu caminho iluminado. Assim como meu querido professor.

Desse plano seremos iluminados por eles, e encontraremos o caminho para não seguir na escuridão.