Quando as crianças brincam de academia 

Escola da Vila

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Por Marcos Mourão, professor de Educação Física

Ao ler o título da matéria “Quando as crianças brincam de academia”, publicada no Estadão, lembrei imediatamente de uma cena que vi recentemente na Educação Infantil da Escola da Vila. Algumas crianças, comandadas por um menino, seguiam as ordens de exercícios típicos de uma aula de ginástica: polichinelos, abdominais, flexões e saltos. E faziam tudo isso com muita seriedade. Aos poucos, algumas delas foram se desinteressando, até que a brincadeira acabou. Ao ler o conteúdo da matéria do Estadão, percebi que se tratava da procura de famílias que ainda não colocaram os filhos em escolas ou que não têm opções de lazer onde moram, por espaços com a proposta de desenvolver habilidades motoras e sociais das crianças pequenas, por meio de circuitos, danças e brincadeiras.

Pensando sobre o assunto da matéria e do que vi acontecer com as crianças da Educação Infantil da Escola da Vila, inevitavelmente surgiram algumas ideias sobre o brincar, a infância e o papel do adulto.

A primeira delas sobre a diferença de brincar nas duas situações. As crianças que estavam brincando de ginástica escolheram a brincadeira, certamente influenciadas pelo menino que comandava os exercícios, trazidos de outro contexto, diferente do da escola. Essa é uma característica essencial para uma brincadeira de qualidade, ou seja, trazer para o presente algo exterior a ele, para que a criança entenda melhor do que se trata aquilo que está procurando entender. Quando a criança vai à academia, ela não tem essa possibilidade, pois não escolhe a brincadeira. Ela apenas a executa.

Outro aspecto importante na brincadeira da ginástica é o brincar livre, sem a presença do adulto. Quando crianças brincam somente entre elas, as escolhas, as ideias e as decisões têm que ser tomadas sem a hierarquia que a figura do adulto impõe. E isso obriga a criança inevitavelmente a enfrentar conflitos, escutar, falar e negociar. A criança na academia não tem essa opção. Ela apenas realiza a atividade gerenciada pelo adulto.

O último ponto, que chama mais atenção em relação às diferenças de contexto, é em relação à infância. Para as crianças, inventa-se a infância quando decide-se deixá-la brincar, ir à escola, ser criança. Atualmente as crianças ficam cada vez mais sobrecarregadas de atividades, com aulas especializadas de todos os tipos, assumindo responsabilidades e horários rígidos toda a semana. E numa sociedade que não reconhece a infância como um período único, diferente da vida adulta, tende a misturá-la e integra-la à academia e ao fitness.