Experimentar, imaginar, constatar: aprender ciências!

Por Divino Marroquini

A Semana de Atividades Diversificadas (SAD) proporciona aos alunos situações em que podem explorar  conteúdos escolares, ou conhecimentos que não estão contemplados no currículo, a partir de vivências e experiências que extrapolam os tempos fixos, os espaços de aula e as propostas de aprendizagem convencionais.

A equipe de Ciências Naturais do Ensino Médio encaminhou, nesta SAD de 10 a 14 de outubro, atividades que mostram que o caráter lúdico não se contrapõe ao aprofundamento conceitual, isto é, que é possível aos alunos desenvolver propostas que lhe sejam divertidas, mas que não se restringem, em nenhum momento, a isto apenas.

Explorar as situações práticas, levantar hipóteses e testá-las, depois sustentá-las, abandoná-las ou reformulá-las, mediante a troca de ideias, se constituem de procedimentos e atitudes de grande valor ao se falar em educação científica. Aqui podemos vislumbrar como se lida com o problema humano de compreender e representar o mundo: não temos acesso direto ao interior das estrelas ou dos átomos, ou ao longo processo da vida no planeta, mas podemos representá-los por meio de teorias.  São retratos provisórios, mas que expressam a diversidade da experiência humana de estar e intervir no mundo. Quatro atividades desenvolvidas na SAD se propõem a destacar essa aproximação entre vivências e conceitos científicos.

A visita à fabrica da Natura, em Cajamar, foi uma oportunidade para os alunos do 1º ano de contextualizar aspectos que vêm sendo trabalhados em Química e Biologia no 3º trimestre. Em Química, os alunos estão explorando as substâncias presentes no dia-a-dia. Pensar os cosméticos como produtos finais de uma longa linha de produção química foi o foco instigado pela visita. Já em Biologia, pudemos visualizar os desafios do desenvolvimento sustentável, isto é, a possibilidade de manter o desenvolvimento econômico garantindo a preservação dos recursos naturais para as gerações futuras.

Foi surpreendente, na fábrica, ver o grau de automação da produção e do armazenamento de materiais.  Constatar que máquinas podem dar conta de uma grande quantidade de tarefas comandadas por computadores foi realmente muito interessante. Mas também foi interessante notar que, apesar de tantas máquinas e robôs, sem a presença de quase 6000 pessoas na fábrica todos os dias, a produção não seria viabilizada. Ao término das visitas, os alunos puderam conversar com profissionais de diferentes formações (uma bióloga, uma química, uma farmacêutica e um engenheiro agrônomo), que contaram um pouco sobre seu trabalho na empresa e sobre como sua formação contribui para a realização desse trabalho. Como daqui a pouco nossos alunos irão escolher suas carreiras, nunca é demais conhecer um pouco mais sobre algumas profissões.

Em uma atividade de Física, os alunos do 1º ano participaram de uma reflexão sobre o papel das observações e das teorias em Ciência, ao serem confrontados com o problema de criar um modelo explicativo para um fenômeno ao qual não podiam ter acesso direto. Eles não podiam observar o interior de uma caixa hermeticamente fechada, mas tinham de elaborar modelos que descrevessem o funcionamento de seu mecanismo interior, ao ponto de explicar o movimento de varetas conectadas à caixa quando manipuladas. É o chamado Experimento da Caixa Preta, o qual permite elaborar reflexões que se vinculam a vários outros questionamentos dos alunos ao longo do curso: Como é possível conhecer o interior das estrelas? Nós nunca vamos ver a Via Láctea? A luz é onda ou partícula? Átomos não podem ser observados? O universo é mesmo infinito? Então, como sabemos tanto sobre isso tudo?

Num primeiro momento, os alunos organizados em grupos produziram uma descrição das observações externas da caixa e propuseram uma diversidade de explicações para seu mecanismo interno.

Para conseguir isso, se valeram de uma série de recursos mecânicos com os quais já travaram contato ao longo da vida: engrenagens, alavancas, molas, elásticos, polias etc. Debateram, testaram hipóteses, refutaram argumentos uns dos outros até produzir um consenso que consideraram adequado. Durante as discussões, alguns propunham explicações fantasiosas: duendes, ratos e toda sorte de seres imaginários que poderiam ser a causa do movimento aparente das varetas. Isso produziu uma fecunda discussão sobre as hipóteses e teorias competitivas na história da ciência. As explicações fantasiosas não foram descartadas como absurdas, mas levadas em consideração pelo professor que pediu mais evidências e fundamentações para validá-las ou não.  No final da atividade, os alunos foram convidados a representar lado a lado seus modelos, na lousa, para  os discutirmos coletivamente. Cada grupo apresentava sua solução para o mecanismo da caixa e era arguido pelo professor e pelos colegas. Nesse processo, os alunos foram estimulados a argumentar, a justificar suas hipóteses, expor as evidências  nas quais se apoiaram e reformularem as inconsistências de seu argumento. Muitos se lembraram do princípio da Navallha de Ockham, discutida na aula inaugural do primeiro ano: quando tivermos duas explicações para um mesmo fenômeno, a mais simples tem mais chances de ser a certa.

Lançar “foguetes” de garrafas PET provocou muitos risos e desafios entre os alunos do 2º ano. A proposta da atividade de Física era aberta: cada grupo deveria buscar a máxima eficiência do seu foguete e, para tanto, deveriam manipular as variáveis disponíveis ─ volume de água dentro da garrafa, pressão interna, volume da sua garrafa PET, vedação da rolha – e, com isso, conseguir o lançamento em maior altura. À medida que a investigação evoluía o exercício de, mais uma vez, levantar hipóteses, testá-las, abandoná-las, observar outros grupos, discutir procedimentos, refazer suas experimentações, recalibrar o foguete para o melhor rendimento, tudo isso foi muito natural e executado de forma prazerosa.

O momento que se seguirá é a retomada do processo e sua sistematização. Essa discussão deverá conduzir os alunos a perceber que aquilo que fizeram, tão naturalmente, é um procedimento científico e que este procedimento pode ser acionado em outras situações investigativas como esta. Desta forma, uma situação lúdica pode servir à exploração do conhecimento, mantendo em vista que os objetivos centrais são a vivência dos procedimentos investigativos e aplicação dos conceitos fundamentais da Mecânica.

Volta o 2º ano agora com as transformações químicas... É sempre curioso ver como algo que tem certa cor, aspecto e textura se converte, como sendo mágica, em outro algo de aparência tão distinta. Pois assim ficaram os alunos diante de uma amostra de óleo de cozinha que, aquecida juntamente com uma solução de soda cáustica, foi se convertendo em um material pastoso de odor conhecido, que chamamos sabão. Passada esta reação (de surpresa), os alunos puderam cuidar de melhorar o seu produto e novamente se divertir escolhendo corante, aromatizante e formato para seus sabonetes. Pronto! Agora alguns deles dizem que já podem entender melhor o enredo do filme “Clube da Luta”...

Para além do conhecimento desta técnica de saponificação, que possibilita a quem quiser dar um destino ecologicamente adequado às sobras de óleos e gordura de sua cozinha, a atividade experimental é uma situação didática de grande importância por possibilitar uma correlação entre a fenomenologia e os modelos interpretativos construídos pela Ciência.  A Química nasceu fortemente ligada ao caráter experimental e amadurece à medida que seus conceitos são reelaborados frente às observações dos fenômenos. Para os alunos, a compreensão da estrutura química dos lipídios e sabões e de suas transformações químicas pode assumir novas dimensões quando associam noções como quebra e formação de ligações atômicas, ou interações entre moléculas, às mudanças de cor, consistência e solubilidade dos materiais que puderam observar. Registrar, discutir, explicar e relatar serão procedimentos que completam a atividade, que neste caso também irá mostrar que ludicidade e aprendizagem conceitual significativa não têm uma relação de dependência, mas tampouco são excludentes.