De encontro ao conto...

Por Irene Antunes de Campos

“Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter.”

Felicidade Clandestina, Clarice Lispector.

No último dia 11, os alunos dos 8ºs anos tiveram a oportunidade de conversar com o escritor Fernando Carneiro, em mais uma Semana de Atividades Diversificadas na Escola da Vila. Carneiro, figura recorrente na SAD, veio compartilhar um pouco de sua experiência de contista e romancista, falando sobre o que o leva a escrever, o processo de concepção de uma história e dando dicas para esses alunos, que estão, desde o início do semestre, trabalhando no Projeto de Contos, a partir da leitura de autores consagrados e da produção de contos que comporão um livro a ser lançado no final do ano.

O escritor abriu sua fala explicando para os alunos que aquele encontro não se tratava de uma palestra, o que, segundo nos disse, implica numa apresentação e defesa de um ponto de vista pelo palestrante. Ao contrário, ele se propunha a “trocar figurinhas” com os alunos, “bater um papo”; em suas palavras: “Literatura não se explica.

Angela Kim, uma das professoras da série, destaca que este é um encontro muito interessante, já que coloca os alunos em contato com o fazer do escritor. Além disso, os contos de Carneiro exploram bastante o mundo interno das personagens, o que Angela aponta como grande tema de discussão ao longo do projeto, nas aulas de LPL.

Ao longo da conversa, o autor explicou para os alunos que a leitura proporciona ao leitor um afrouxamento de suas censuras internas, visto que pode encontrar nos livros alguém que também as possui, identificando-se. Um escritor, que é também um leitor, criará suas histórias, portanto, de modo a espelhar nelas o que se passa pela sua cabeça ou sua leitura da sociedade. “Ele deve poder olhar sob os olhos dos outros”, diz Carneiro. Para isso, segundo ele, é necessário, primeiramente, superar três importantes autocensuras: conseguir colocar suas neuroses no papel; permitir que outro, ou outros, leiam sua criação; e, por fim, encarar o mundo, publicando seu trabalho.

Para Fernando Carneiro, um bom conto depende de um bom começo. Se ele é bom, o autor consegue, geralmente, prender o leitor até o final, na espera de que este também o seja. E para conseguir tal façanha, ele deu a dica: “A melhor maneira de começar um conto é colocando o personagem em ação”. Segundo o autor, isso aproxima e prende o leitor. Ao contrário, começando com um relato, uma apresentação, explanação ou descrição, o ritmo da história fica lento, cansativo e distancia o leitor da trama. Sobre o final da história, Carneiro falou que deixá-lo aberto, sem uma solução evidente para o conflito, eterniza o conto, fazendo com que o leitor levante infinitos “será quê” e “porquês” que não podem ser respondidos nem mesmo pelo protagonista ou pelo autor. Para ele, aliás, saber o desfecho da história não necessariamente estraga a leitura de um texto literário bom, em que o melhor está no seu desenvolvimento.

A aluna Pietra Colleto, do 8ºA, esteve presente no encontro e contou que o escritor lhe transmitiu a impressão de confiança e satisfação em relação a sua profissão. Da conversa, ela destacou o momento em que Carneiro disse acreditar que cada história nasce do interior de quem a escreve, da expressão de sentimentos e emoções, o que pode servir de alívio, diversão ou mesmo para relatar memórias, como acontece com o próprio escritor, que, segundo lembrou Pietra, contou que se inspira em acontecimentos de sua vida para escrever seus contos.

 Isso acontece, por exemplo, no conto “Perdi meu filho em Nova York”, do livro Desconforto, que é lido pelos alunos anteriormente à palestra. A discussão da leitura em classe gerou muitas curiosidades entre eles, que tiveram a oportunidade de compartilhá-las com o escritor e lhe fazer perguntas a respeito de suas intenções. Na conversa, os alunos descobriram que o conto trata, na verdade, do primeiro livro escrito por Carneiro, que ele tentou publicar em Nova York. Apesar do insucesso, foi dessa experiência que o então engenheiro percebeu que queria mesmo era ser escritor.

“’Ter vindo aqui foi um erro’, disse a mim mesmo. ‘Para quem vou reportar o sequestro da minha criança?”.

Perdi meu filho em Nova York, Fernando Carneiro