Uma experiência inesquecível

 

O atual 2º ano do Ensino Médio realizou, entre os dias 16 e 19 de novembro, a viagem anual aos assentamentos e acampamentos do MST em dois municípios do interior de São Paulo. Vale a pena assistir ao filme deste trabalho e conferir os depoimentos de alguns alunos, a seguir.

 

Matheus Genaro

Em poucos momentos da nossa vida escolar temos a oportunidade de ampliar nosso estudo com um trabalho de campo. Neste sentido, a viagem a Itapetininga e Itapeva, visitando os assentamentos do MST e conhecendo sua estrutura agrícola, foi uma experiência única para observarmos de perto a Geografia Agrária que tanto estudamos este trimestre: esta é a justificativa racional.

Porém, em poucos momentos de nossa vida (e limito-me a dizer “vida”, neste caso) temos a oportunidade de passar por uma experiência transformadora. O choque temporal que vivenciamos com a dinâmica do campo; o contato com pessoas que, embora na pobreza, nos ofereciam tudo o que tinham e o sorriso no rosto de quem tinha histórias para contar, mas que nunca foram ouvidas, abrem nossos olhos para um mundo muito maior do que aquele em que vivemos. Não se trata de aderir à militância, erguer a bandeira e gritar por um país mais justo (por mais que isto se faça necessário muitas das vezes), mas de reconhecer na sociedade os problemas que, em distância, no conforto de nosso sofá e televisão, apenas “ouvimos falar”. É na justificativa emocional que encontramos o verdadeiro valor deste trabalho de campo.

Vitor Marques

Sentir o quão maravilhoso toda a infinidade do céu já é o suficiente! Eu ia falar agora que existe um preço impagável em ter sentado em baixo das estrelas e tê-las observado por tanto tempo com vocês, mas agora lembrei que tudo vivido naqueles três dias, assim como eu disse no ônibus, foram impagáveis. Não me dou à tentativa de escrever tudo que senti na viagem, porque sei que nem palavras poderiam fazer este papel. Como eu, após avisar a Mari de que eu realmente iria para o MST, poderia imaginar que eu não aguentaria minhas lágrimas no ônibus de volta, ou que eu teria essa mesma sensação de estranheza a tudo que nos parecia normal antes? Nunca. Agradeço a cada um de vocês, e principalmente ao Fermín, ao César e a Mari, por terem me dado uma experiência realmente única. E como o Fran disse: "O que importa é saber que os cruzeiros não são exclusivos dos mares"!

Ian Aurichio

Quando subi naquele ônibus, às sete horas da manhã, eu não imaginava o quão importante seria aquela partida do motor; a travessia da fronteira do mundo imaginário para o mundo real. Sim, imaginário é uma boa palavra para descrever o mundo em que nós, alunos da Escola da Vila, vivemos. Imaginário no sentido de um mundo protegido, cercados de novas tecnologias, lançamentos do mercado, fofocas sofre a vida dos outros e boatos. Não que isso seja errado, só estamos fazendo o que está resignado para jovens da classe que pertencemos e foi nesse sentido que a viagem ao MST nos tocou. Sempre tivemos uma mínima noção que a nossa vida era cercada de coisas fúteis e que essas coisas fúteis nos embalam de tal forma que esquecemos ou não queremos olhar para o outro, olhar para fora do insul-film e foi o que rolou na viagem: “Olhar para fora do insul-film”.

Esse olhar foi formado de conversas, olhares, reações e arrepios; o ânimo do jovem Daniel nos mostrando as hortaliças e nos ensinando sobre cultivo de vegetais, a felicidade e o encantamento do garoto Lucas, a voz de Dona Rosa na cantoria do hino, a simpatia do Seu António e etc. Tudo isso nos mostrou o quanto nos preocupamos e vivemos por coisas inúteis, nenhuma vontade em nossa vida se compara aos olhos brilhando dos acampados ao falarem sobre a terra que estão prestes a conseguir, nenhum projeto se compara ao Seu Zé falando sobre os planos que tem em mente para sua horta e na criação das suas poucas cabeças de gado.

O “turismo” no mundo real causou tanto repúdio e nojo do mundo em que vivemos que a viagem passou a ser considerada o início de uma luta, uma luta por justiça e por mais igualdade, uma luta ao nosso alcance. Essa luta nos alivia um pouco o peso que carregamos por termos mais dinheiro que a grande maioria da população, pelas vezes que ignoramos o companheiro deitado no chão, pelas frias noites que pensamos quantas pessoas estão com frio nas ruas; percebemos que podemos ser pessoas melhores, podemos ajudar os outros e começar a gritar, chorar e rir por causas maiores do que o desejo de um novo Itouch no Natal.

Gabriela Sakata

Não sei se consigo escrever sobre essa viagem especificamente, pois acho mais fácil falar de todas as vezes que visitei os assentamentos, acampamentos e a escola nacional do MST. Todas as vezes que voltei ao meu mundo limitado e cheio de barreiras tentei espelhar o que tinha vivido com o movimento em minhas ações. Desde trabalhos de escola, leituras pessoais, argumentos dentro e fora de sala de aula. O MST me deu informações que só vendo eu poderia compreender.

Nessa última semana me despedi pela terceira vez de um acampamento que conheci no final de 2010. Com sentimento de tristeza e felicidade à flor da pele. Saber que o acampamento está cada vez mais próximo de sua futura terra... Saber que o Governo não os sustenta do modo que devia... Saber que vou voltar pra casa, pra minha cama, pro meu chuveiro... Pensar que eu podia estar no lugar deles, lutando e sofrendo por não ter o direito a um pedaço de terra no meu próprio país...

Acho que ir com a escola motivou aqueles que nunca tinham entrado em contato com o movimento a pensar duas vezes antes de fazer qualquer coisa...

O que ganhei com essa viagem foi o poder de repensar no real papel do MST. Por mais que seja o maior movimento pela terra no mundo, é antes disso uma ideia, uma ideologia. Quando pensamos bem nela, refletimos sobre tudo. Sobre a vida no campo, na cidade, no Brasil, nos EUA... Nunca mais seremos os mesmos.

O movimento abre os nossos olhos de classe média pra um mundo que parece estar paralelo ao nosso... Acho que por isso, a viagem deveria ser mais divulgada... Como a viagem de Itacarambi... Não sei. Conheço várias pessoas que teriam aproveitado a viagem, mas esta foi vetada pelos pais que não entenderam seu propósito.

Mariana Queiroz

(Créditos ao César, alguns termos desse texto são dele. São precisos demais, por isso me apropriei deles).

Resumir a experiência da viagem do MST é coisa para poucos e peço perdão, desde já, por minhas palavras imprecisas e abstratas. No entanto, deparar-nos com vidas tão distantes – e, ao mesmo tempo, tão próximas – das nossas nos faz pensar sobre a situação das coisas; assim, no geral mesmo. Na situação do mundo. Consequentemente, faz com que pensemos em nós mesmos – na nossa condição, nas nossas angústias e inseguranças, nos nossos medos. Os momentos de introspecção, para mim, foram os mais importantes dessa viagem. Nessas raras (no sentido de preciosas, não de pouco frequentes) ocasiões, senti-me imersa numa atmosfera surreal que, agora, parece permear todas as minhas lembranças desses últimos três dias.

Essa viagem é feita de contradições. A contradição entre o ambiente e o espírito de assentados e, principalmente, acampados; a contradição entre a proximidade e a distância que separam as questões daquelas pessoas e as nossas próprias questões, internas; a contradição entre a conquista do solo e a persistência de problemas que estão para além de cinco alqueires de terra. O ritmo do campo dita o ritmo do trabalho e a brusca brecha na nossa realidade urbana e corrida é sentida violentamente por nossos corpos e mentes. O grupo, diante de situações excepcionais, se uniu de modo impressionante – a cumplicidade entre alunos (e professores) atingiu níveis inimagináveis.

“Despertemos essa pátria adormecida”, cantaram os assentados do Carlos Lamarca na ocasião de nossa despedida. Fomos despertados para uma realidade que gera revolta, indignação e indagações das mais diversas, essencial para julgarmo-nos conhecedores de muito, muito pouco. A luta pela terra é a vida de muitos e deveria ser vista, de perto, por todos; no entanto, acredito que a obrigatoriedade da viagem acabaria com a sua beleza, que se origina justamente na disposição dos alunos em conhecer e entender o movimento por vontade própria, por desejo, por sede de justiça ou por pura curiosidade.

Voltar é difícil. Ao nos depararmos com o meio urbano, sentimos mais do que falta do que havíamos vivido; sentimos um peculiar sentimento de não pertencimento, de inadequação. A resistência a estímulos desse ambiente, por um tempo, parece-me inevitável, e, agora, vejo-me nessa necessidade inquietante de me pronunciar a respeito do impronunciável. Hoje, no dia 19 de novembro, um dia após a viagem, acredito estarmos todos suspensos num clima de estranhamento – essa é a maior riqueza de todas. O campo persiste em nós.

Bianca Laurino

Diferentemente de encontrar-me na situação de apenas dar valor após perder algo, sinto que só consegui dar o devido valor que tal coisa merecia após ganhá-la. É assim que me sinto após retornar de um fim de semana tendo contato ao vivo e em cores com o maior movimento social do mundo: o Movimento dos Sem Terra. Somente depois de ganhar a experiência (sim, considero um ganho em minha formação pessoal) de conversar e ver com os meus próprios olhos, sem que ninguém diga por mim o que achar a respeito do movimento, seja a mídia ou os próprios professores, pude perceber a riqueza que este projeto possui. Para quem não participou da viagem, dificilmente entenderá de fato o sentimento que estou tentando por em palavras.

Aqueles que se esforçaram para que a viagem acontecesse, aqueles que foram convencidos a embarcar nela, aqueles que priorizaram a viagem dentre ao extenso número de coisas que tinham para fazer e mesmo aqueles que caíram ali de pára-quedas, sem saber o que aconteceria, tenho certeza que agora estão gratificados e agradecendo por terem ido. Já para aqueles que não foram e por algum motivo queriam ter ido, gostaria que pudessem saber o quanto deveriam estar arrependidos.

É impossível tentar descrever a sensação que, não só cada um individualmente, mas o grupo em si voltou sentindo para São Paulo. Talvez as lágrimas que muitos derramaram – ou tentaram não derramar – no ônibus da volta demonstre de alguma forma o que quero dizer. Talvez não, pois para quem não esteve lá é novamente difícil de explicar. A única coisa que acho importante ficar claro é o valor que a viagem possui para aqueles que dela participaram. Tenho certeza de que a viagem possibilitou que cada um formasse sua própria opinião sobre o MST. Se parasse aí, ela já teria cumprido essencialmente seu objetivo. O fato é que ela foi muito além disto, pois marcou de um jeito inesquecível e singular para cada um.

Concluo agradecendo. Agradeço ao César e ao Fermín, que nos acompanharam na viagem, a todos os professores e orientadores que ajudaram esta a acontecer, à Escola da Vila, que a inclui em seu projeto, ao grupo de alunos que se dedicou e estava em sintonia ao longo da viagem e, agradeço verdadeiramente, ao pessoal do MST, que mais uma vez nos recebeu de braços abertos, nos oferecendo tudo que estava ao seu alcance, principalmente suas histórias de vida, que pacientemente repetem todos os anos para um novo grupo de visitantes.

Rafael Ihara

“Eu sempre me incomodei com o fato de eu ter dinheiro e as outras pessoas não terem”.

Essa frase, do Ian Aurichio, dita quando estávamos na estrada, voltando à correria de São Paulo, expressa exatamente um dos meus maiores conflitos internos. Eu acredito que, muito provavelmente por essa questão mal resolvida dentro de mim, tenho me envolvido, cada vez mais, com os projetos sociais organizados pela Escola da Vila, numa tentativa de criticar com mais fundamento a nossa sociedade e os problemas que nos cercam e, claro, para enxergar o que está além da bolha social na qual a comunidade de alunos está inserida.

Sempre me impressionaram muito as condições precárias de moradia, de educação, da saúde e do lazer dos frequentadores do ECA; as histórias de vida; os sofrimentos enfrentados; os preconceitos sofridos, de tal forma que, ao fim de todos os encontros do Estatuto da Criança e do Adolescente, me despeço chocado, revoltado, com cada vez mais vontade de me mobilizar para, quem sabe, mudar algum ponto no futuro daqueles jovens.

Mas nada, em nenhum momento se compara ao que senti nessa última semana. Leitor, desculpe-me por tão rasas palavras, por tão incompletas definições, mas acredito que as ações da raça humana não podem ser colocadas numa folha de papel.

Bate-me certo arrependimento quando lembro que cogitei a possibilidade de não ir viajar com receio de não conseguir entregar todas as atividades propostas no prazo cedido pelos professores. Depois dessa experiência que vivi, certamente valerá a pena me mobilizar ao máximo a fim de entregar todos os afazeres no até a data combinada. Com a mais absoluta certeza, o convívio com os integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra me proporcionou muitos benefícios, me trouxe lições de vida e acrescentou enormemente na minha formação pessoal.

Mais fascinante que as regras da física, que a sistematização da matemática, que a origem da vida discutida em biologia... Tudo isso é mínimo, ignóbil, se comparado ao sentimento humano que está extremamente intrínseco na organização do MST – sentimento humano esse que nos foi apresentado das mais variadas formas, mexendo com nossa estrutura, com nossos princípios, com nossas emoções.

É incrível ver a organização daqueles que já estão assentados em seus terrenos, a felicidade daqueles que já possuem seu pedaço de terra – e ver o sorriso de ter obtido essa glória depois de tanto sofrimento, de tanta injustiça e demora. Mesmo tendo tão pouco, vivendo uma vida tão pacata, consumindo muito pouco, há uma alegria sincera que contagia a todos – inclusive a nós paulistanos. Achamo-nos tão entendidos, estudados, cultos; porém um simples ato de generosidade, companheirismo ou reciprocidade nos comove; os sem-terra que ainda estão acampados nos ofereceram o pouco que tinham: ofereceram-nos café com aquele restinho de pó; receberam-nos em suas casas de lona que nem lugar tinha para que pudéssemos nos sentar; e contaram suas histórias de vida, suas batalhas – suas vitórias. E quando perguntamos sobre a esperança desses acampados alcançarem a terra que está do outro lado da grade, livre, fértil, os olhos deles brilham: é um sinal de esperança, que nunca morre – nem mesmo nos piores momentos.

A viagem foi encerrada da melhor forma possível, com um sorriso puro de uma criança, que foi presentada com uma bola que era do Lucas Teixeira. A partir daí, foi-me colocado um pensamento: o que é isso que eu valorizo na minha vida? O que eu pretendo fazer dela? Vou me mobilizar para fazer algo e mudar a realidade dessas pessoas carentes, que não possuem nem um teto para dormir? Que vida é essa a que eu vivo, cheia de conforto, de mordomias (que antes para mim nem eram mordomias)? Senti-me culpado por, em muitos momentos, ter feito reclamações desnecessárias, fúteis, ignorantes.

Acredito que falte, a todos nós, pensar mais no outro. Ser mais solidário, menos egoísta, menos infeliz... Temos tanto e reclamamos tanto de tudo. Podemos ser ricos financeiramente... Porém aqueles indivíduos, que possuem um espírito incrível de união, de coletividade e solidariedade, guardam dentro de si uma riqueza que é muito maior que qualquer coisa no mundo: o sentimento humano.

Gae Breyton Berrutti

"Fui para a viagem com a firme convicção de que nada poderia me surpreender por já ter estado lá, me senti com alguma vantagem em relação aos outros. Achei que saberia olhar (algo como) friamente e entender o movimento como observadora, nunca me passou pela cabeça que não se fica imune ao sentimento de humanidade. Me eximo de dizer o o quão frequentemente este defeito de falta de humanidade acomete os dirigentes de nosso país para não fazer um texto político, porém, posso dizer com toda certeza que nenhum integrante de nossa viagem esteve impermeável ao engasgo emocional que essas pessoas e sua luta geram. É surpreendente encontrar essa força irreprimível onde se espera encontrar os mais oprimidos. Na outra vez que visitei o acampamento, ao final de uma conversa com a dona Rosa, eu não só cheguei à conclusão como disse para ela que, tendo na minha vida inteira metade da coragem dela eu já seria um Hércules. É com esse tipo de sentimento que se retorna à São Paulo, com um nó de indignação no peito (que eu espero que nunca se desamarre) e com a sensação de levar uma vida vã. Talvez diferente de muita gente eu não sinta essa culpa de ter mais que os outros, eu penso que estar nesta condição privilegiada vai me permitir fazer algo por essas pessoas a mais do que simplesmente "turismo".