Novos grupos: a formação das turmas dos primeiros anos e as atividades da semana inicial.

Por Fermín Damirdjian

O que o Ensino Médio representa para os alunos do Fundamental II? Dificilmente encontraríamos uma reposta satisfatória para essa pergunta.  Isso porque não se trata apenas de um fragmento de seu percurso escolar, mas também porque envolve aspectos que dizem respeito a uma determinada etapa da vida. Temos elementos, no entanto, para algumas especulações.

Sobre o Ensino Médio os alunos ouvem muitas coisas, tanto do que a própria Escola da Vila transmite a eles através de professores e orientadores, quanto do folclore gerado pelos contundentes decibéis da “rádio-aluno”. A cada ano, geralmente em setembro, realizamos um encontro (a esta altura, passível de ser chamado de tradicional) com os nonos anos, no qual aplicamos uma dinâmica de grupo e uma prova diagnóstica. A primeira nos oferece elementos sobre as expectativas dos alunos, e a segunda nos dá algumas pistas sobre o estágio em que se encontram as habilidades que estarão em jogo nesse segmento. Algumas coisas se repetem, ano a ano, nas expectativas que eles projetam.

O aluno da Vila, invariavelmente, espera “aprender mais que conteúdos”; acredita que sua formação deve ir para “além do vestibular”, além de envolver uma verdadeira preparação para o “exercício da cidadania”. Tudo isso imerso numa rotina exigente, na qual “tem que estudar muito”. Pois bem, é a este caldo que se acrescenta um outro fator que não ajuda muito a baixar a ansiedade diante dessa terra virtualmente desconhecida: em que turma vou cair? Quem vai estar na minha classe?

A intensidade dessa dúvida na voz dos alunos pode parecer, a qualquer desavisado, uma preocupação de dimensões exageradas. Não é. A escola é o cotidiano do aluno; não é um ensaio da vida social, mas a própria vida social em constante movimento e exposição, para aqueles que estão construindo uma casa ao mesmo tempo em que já precisam habitá-la – e com segurança. Podemos circular por condições diversas de temperatura e pressão uma vez que estamos seguros de ter um refúgio interno que funciona a contento. Seja qual for a representação que eles tiverem do Ensino Médio, uma coisa é certa: estão ansiosos por conhecer os rigores climáticos aos quais suas casas estarão submetidas. E estar rodeado de bons e velhos amigos seria uma forma de apaziguar o vento e estabilizar a temperatura.

Algumas coisas podem ser feitas pela escola nesse sentido. A construção das turmas se dá a partir do ambiente coletivo já conhecido pelos professores e orientadores, acrescidos dos fatores subjetivos que podem ser contemplados nessa equação. Por fim, consideramos as duplas, trios, grupos que funcionam ou não para o estudo e o andamento das aulas.

Ainda que todos esses fatores não sejam facilmente mensuráveis, a fórmula não seria tão complicada se fosse resumida a isso. O problema é que todo esse conhecimento está pautado sobre turmas que, no Ensino Médio, não existem mais. Os nonos A, B e C não apenas foram mesclados, mas mais do que isso. Uma vez no novo segmento, os alunos passam por mudanças muito significativas no aspecto subjetivo; além disso, os horários, o espaço físico e as atividades da vida escolar geram uma nova rotina; alunos novos tem influência nada desprezível na composição do grupo; a vida social fora da escola sofre grandes alterações – a nova faixa etária à qual passam a pertencer define novas configurações na forma de circular e habitar a cidade, especialmente em relação aos espaços e horários de lazer.

Sem ter a dimensão dessas transformações todas, os alunos, nas primeiras semanas de aula, ficam apreensivos pela turma em que “caíram” – como se fossem todos uma divisão de paraquedistas lançados aleatoriamente sobre algum campo desconhecido com a missão de sobreviver. Um grande número de recrutas angustiados recorre à orientação educacional que, sim, tem a incumbência de ouvi-los e ajudar naquilo que pode aplacar sua ansiedade. Mas há remédios que se mostram, na esmagadora maioria dos casos, infalíveis diante dessa situação aparentemente caótica. O principal deles é o tempo.

A escola não faz alterações de sala antes que se cumpram pelo menos as primeiras quatro semanas de aula. É importante dizer que cada semana traz muitas novidades e, salvo raras exceções, os alunos costumam se sair muito bem no sentido de rapidamente se adaptarem à nova situação. Sem desprezar dificuldades inevitáveis a qualquer sujeito, sabemos que crianças e adolescentes demonstram grande maleabilidade para incorporar saberes dos mais diversos: esportes, idiomas, jogos, teorias, histórias, etcetera. Ora, bem sabemos que a aprendizagem é uma dinâmica regida em sua maior parte pela assimilação de vivências e sua constante adaptação às estruturas subjetivas preexistentes – e em constante mudança.

Em relação aos alunos e suas novas turmas, não é muito diferente. Os primeiros dias e semanas são muito intensos e os alunos se realocam no grupo de forma extremamente dinâmica. Nossa experiência nos demonstra que, ao cabo de um mês, a quantidade de alunos que se mantem com vontade de mudar de sala se reduz muitíssimo, chegando muitas vezes a desaparecer.

Para que isso ocorra, obviamente, não basta largar os alunos nessa situação e esperar por sua capacidade de adaptação. Eles precisam sentir que há elementos na sua nova vida escolar com os quais podem contar. A orientação educacional cumpre um papel fundamental nesse ponto. Além do que eles podem buscar de apoio em casa, com suas famílias, também devem estar seguros de que podem encontrar caminhos que prescindem dessa mediação. Afinal, quem está na escola diariamente são eles, e não seus pais...

Em outra medida, uma equipe de professores que saiba equilibrar suas exigências com a possibilidade de dar passos seguros no andamento das disciplinas, também tem papel mais que relevante nessa equação. O primeiro passo nesse sentido se dá nos três primeiros dias de aula – que chamamos de “Semana inaugural”. Nela, os primeiros anos comparecem à escola antes dos segundos e terceiros. Sendo os únicos a “habitar” o espaço do Ensino Médio durante esses três primeiros dias, eles tem a oportunidade de reconhecer a nova configuração daqueles “nonos anos” que agora estão totalmente desfigurados e transformados em “primeiros anos”.

Os professores elaboram uma série de atividades que seriam impraticáveis se segundos e terceiros anos já estivessem presentes, tanto pelo uso do espaço quanto por sua disponibilidade na grade horária. A intenção é que a escola esteja inteiramente disponível para eles. São apresentados aos professores de todo o ensino médio – inclusive dos anos subsequentes, no intuito não apenas de que sejam todos identificados mas que também os alunos possam compreender as disciplinas tanto pelas áreas em que estão agrupadas como por sua continuidade ao longo dos três anos. Travam contato direto com a equipe de limpeza da escola, com a qual conviverão diariamente e com quem compartilham o dever de manter o espaço limpo e preservado. Realizam atividades em que se reconhecem e se reapresentam em suas novas turmas e grupos.

São elementos que contribuem para um inicio algo acolhedor, ao mesmo tempo em que podem acessar as disciplinas e os planos da escola para com eles, em âmbito pedagógico e educacional, visto que, embora seja um período relativamente fugaz se posto na perspectiva de um tempo de vida, será extremamente rico e intenso. Os primeiros dias de aula inauguram o determinante segmento que desembocará na conclusão de sua vida escolar, não sem antes ocuparem seu espaço cotidiano com realizações que ora atenderão, ora supreenderão as expectativas que guardam a respeito dele.