LEITURA CRÍTICA DE TEXTOS PUBLICITÁRIOS.

 

Por Aline Evangelista Martins

 

Talvez alguns leitores se lembrem da seguinte mensagem:

“O mínimo de tranquilidade que você precisa.”

Outros devem se lembrar das seguintes:

“Um raro prazer.”

“Uma simples questão de bem senso.”

Caso as marcas correspondentes aos slogans não tenham vindo à memória, segue o esclarecimento: o primeiro fazia parte de uma peça publicitária veiculada na década de 70, para anunciar o cigarro Colúmbia; a segunda e a terceira, ambas da década de 80, compunham os slogans do Carlton e do Free, respectivamente.

É fácil perceber que, de uma década para outra, as promessas em relação aos benefícios do tabagismo foram ficando menos explícitas. O mesmo aconteceu com as imagens que as acompanhavam: pouco a pouco o cigarro deixou de aparecer nas fotos e até mesmo as baforadas foram se escasseando; no lugar, havia jovens bonitos, sorridentes, aparentemente bem resolvidos.

Fora das telas, dos outdoors e das páginas de jornais e revistas, as pessoas fumavam. Jovens, adultos, idosos. No avião, na sala de aula, nas agências bancárias, nos escritórios... As cenas que eram tão naturais na propaganda eram também corriqueiras na vida real.

Felizmente nossos alunos e filhos não estão expostos à glamorização do tabagismo. E se hoje  lemos com espanto aqueles slogans reproduzidos no início do texto, é sinal de que houve mudanças significativas na comunicação. Nada daquilo é visto com naturalidade. Essa constatação nos leva a importantes questionamentos: que mensagens publicitárias são vistas com naturalidade hoje em dia?  Desejamos que essas mensagens sejam naturais? Em caso negativo, o  que temos feito para que deixem de ser?

Para que avancem na reflexão sobre questões como essas, os jovens precisam, antes de tudo, ler criticamente os textos publicitários. Na Escola da Vila, esse tema é contemplado no 8º ano. Ao longo de um trimestre, os alunos analisam peças publicitárias, a fim de observar a construção do discurso persuasivo. Não se trata de avaliar as peças, para julgar se são boas, criativas ou interessantes; o foco é identificar os propósitos do texto, refletir sobre a produção e recepção deles e analisar sua construção: o que a imagem diz e, portanto, o texto não precisa dizer? Que aspectos da imagem o texto ressalta? Como os recursos verbais e os não verbais se complementam? Há alguma promessa implícita? Que sentimentos a peça procura despertar? Essas e outras perguntas orientam as etapas do projeto, durante o qual os alunos identificam os recursos que se articulam para promover a persuasão e, dessa forma, desenvolvem competências importantes para a realização de uma leitura mais refinada e mais crítica.

Concomitantemente às análises, ocorre a reflexão sobre ética na publicidade e sobre a influência da propaganda nos hábitos de consumo e na formação de valores. Esse é o caso do trabalho em que os alunos analisam o modo como o corpo é representado nas peças publicitárias, observam os estereótipos de beleza que são divulgados e discutem o impacto que isso pode ter na saúde e na relação do jovem com o próprio corpo.

Os seguintes trabalhos ilustram o tipo de análise que os alunos fazem.

“Corpo e mídia” – trabalho desenvolvido em parceria com os professores de Ciências Naturais

Análise da publicidade das Loterias Caixa.

É muito estimulante observar a forma como um texto que sempre esteve tão presente na vida dos alunos se abre para novos significados, os quais suscitam reflexões inusitadas. E o mais interessante é saber que o 8º ano passa, mas a leitura mais refinada e mais crítica permanece. Exemplo disso é a mensagem abaixo, enviada por correio eletrônico por um aluno que, na ocasião,  estava começando o 2º ano do Ensino Médio.

Aline, boa noite!

Aqui quem fala é Rafael, que foi seu aluno no 8º e 9º ano, se lembra?

Tudo bom com você?

Estou lhe mandando esse e-mail pois acabei de assistir na TV Globo uma propaganda publicitária sobre o novo Kia Cerato. Se bem me lembro, publicidade é o tema central de estudo do 8º ano. Acho que essa propaganda ilustra muito bem aquela questão do apelo racional e emocional. Assista-o e veja o que acha! O link está logo abaixo (não é vírus). Um beijo!

O olhar do leitor não se dirigiu para as qualidades do carro, tampouco para a promessa de uma vida melhor a bordo dele. Ao contrário, ele adotou uma postura ativa, própria de quem sabe ler o que está explícito e o que está implícito e sabe também discutir, trocar idéias, interagir com outros leitores – ações que caracterizam não apenas o bom leitor, mas também o consumidor consciente e o cidadão ético.