O que significa estudar História da Arte na Escola da Vila?

Por Marisa Szpigel

O contato intenso que estabelecemos hoje com a informação, com a cultura do entretenimento, com as mídias e tecnologias, quando permeado pela reflexão, favorece o fortalecimento da identidade, por acionar as capacidades de discernir, valorizar, interpretar e compreender o que nos cerca e a nós mesmos.

Para cada expressão resultam diferentes imagens interiores. A relação com a arte requer implicação, é uma operação complexa, onde produção e reflexão estão intimamente ligadas.  Olhar, imaginar, construir representações, olhar de novo para o já visto e selecionar para voltar ao que mais atrai. Pensar.

As aulas de História da Arte, neste contexto, são provocadoras de situações em que os estudantes podem olhar para produção artística como objeto de estudo, para analisar e compreender os processos, tanto de artistas como seus próprios. A reflexão de quem está no lugar de quem faz, vê e pensa arte, está em consonância com a prática artística experimentada pelos alunos da Escola da Vila.

UMA BREVE HISTÓRIA DAS AULAS DE HISTÓRIA DA ARTE 

Não é de hoje que a prática artística articula experiências de produção, apreciação e reflexão. Desde os anos 80, as propostas de ensino de arte buscam tratar a arte como área de conhecimento. Ao fazer artístico foram integrados outros eixos complementares: a história da arte e leitura da imagem. Este movimento integrador introduz a ideia de que a aprendizagem da arte não é fruto de geração espontânea, mas resultados das interações com o meio sócio-cultural.

A arte deixa de ser encarada apenas como fazer trabalhos livres ou como propostas interdisciplinares, e passa a considerar conteúdos e objetivos específicos.

Ao longo dos anos, a equipe da Escola da Vila foi incorporando ao currículo propostas que olham para a arte como um campo ampliado, considerando não apenas conteúdos relacionados à arte chamada consagrada, e incluiu no currículo estudos relacionados à cultura popular brasileira, cultura indígena, arte contemporânea, entre outros.

Quando o currículo se abriu para pensar na produção artística em conexão com diversos contextos (conteúdos não consagrados), abriu-se também o debate para a construção de valores e não apenas para preservação daqueles já instituídos.

Esse breve panorama indica o valor dado ao ensino e aprendizagem da arte na Escola da Vila desde os primeiros anos da escolaridade, como reconhecimento da necessidade de formar pessoas sensíveis à arte.

UMA OUTRA ORGANIZAÇÃO – O MESMO CAMPO DE CONHECIMENTO

É no oitavo ano do ensino Fundamental II que as aulas de história da arte passam a acontecer regularmente, uma vez por semana. Essas aulas estão articuladas com as aulas que acontecem no ateliê, também uma vez por semana. Ambas compõem um único campo de conhecimento – o campo da Arte.

Isto significa que no oitavo e no nono ano, os conteúdos curriculares presentes nas aulas de história da arte e nas práticas em ateliê são os mesmos, o que muda é o tratamento didático dado a eles, que favorece encontros com os mesmos conteúdos por diferentes caminhos. O eixo que vincula as duas aulas é a crítica, considerada como o desafio de encontrar significado nas imagens (pensamento visual) e expressar este mesmo pensamento pela linguagem verbal (pensamento verbal).

Esta separação não representa uma ruptura na prática artística dos alunos, ao contrário, evidencia que o fazer artístico é parte desta prática, e que o processo de compreensão experimentado até então pode ter continuidade por meio da reflexão.

O pensamento visual e o verbal, que até então estavam em jogo em propostas mais informais de apreciação e conversas, passam a ter um peso maior, em propostas em que os alunos precisam ver, ler e escrever sobre arte sistematicamente.

No Fundamental II existe um cuidado especial em não hierarquizar o conhecimento artístico dos estudantes: as práticas em ateliê e as aulas de história da arte são igualmente valorizadas. Nesta perspectiva, ampliam-se os vínculos com o campo da arte, pois cada aluno pode identificar-se e encontrar sentido em diferentes facetas da prática artística: produzir, analisar, elaborar comentários e textos críticos, apreciar e fruir arte.

PARA EXPLICITAR OS ARRANJOS

O projeto ARTE E MÍDIA, que acontecerá no terceiro trimestre do oitavo ano, é um exemplo de como o campo da arte é trabalhado.

Desde as primeiras propostas, das apreciações de colagens de Picasso até a criação de cartazes que serão expostos no espaço externo da escola, os alunos entram em contato com diferentes momentos da história da arte em que o diálogo entre o universo da arte e o da publicidade estão presentes.

A seguir, um arranjo possível entre a aula de ateliê e a de história da arte produz uma situação de retroalimentação de sentido. Nas aulas de história da arte, enquanto os estudantes estão lendo um texto que traz à luz o contexto da época e analisando as imagens às quais o texto se refere, constroem novos referenciais que contribuem para a construção do pensamento visual.

“ (...) o que realmente chama a atenção não é a garrafa ou o copo sugeridos, mas a presença do jornal, um material que perde a sua função original de informar, colocado como parte de uma obra de arte. (...) são fragmentos do Le Journal de Paris, informando sobre as Guerras Balcãs: relatos sobre feridos, a ameaça de fome e as epidemias causadas pela guerra. (...) uma seta, que seria também a borda do copo, leva o olhar a um subtítulo em especial do texto l’ordre do dia (a ordem do dia) que relata a passeata de 50.000 pacifistas contra a guerra.” (trecho da atividade desenvolvida em sala)            

A escrita, ou mais precisamente, o exercício da crítica, ajuda na organização do pensamento, como revelam os fragmentos abaixo, elaborados pelos alunos de anos anteriores:

“O significado do uso destes materiais (jornal, papel de parede) desse jeito é mostrar algo implícito a quem olha as obras. Fazer com que as pessoas tentem decifrar a imagem para tentar entendê-la.”

“A pintura de Picasso não foi feita para ser bonita, foi feita para criticar algo que não está certo. As colagens não são esteticamente exemplares, mas são baitas críticas contra a guerra e o consumo.”

No ateliê, o mesmo conteúdo está em pauta. Os alunos estão trabalhando com a ideia de criar uma interferência na mídia impressa. A proposta consiste em pegar uma página de jornal e alterá-la com elementos de outras páginas do mesmo caderno do jornal, para transformar o significado da mensagem e criar um novo.

Abaixo, texto elaborado por uma aluna ao analisar o trabalho realizado pelo seu grupo:

“- Nós escolhemos uma página com uma variedade de informações. Depois começamos a buscar e selecionar novas informações nas outras páginas, para dar as nossas opiniões. Queríamos mostrar o que a mídia esconde.”

Os alunos são desafiados a refletir o tempo todo sobre o caráter enigmático e subjetivo das proposições artísticas, que diferem das propostas de relação imediata e objetiva das peças publicitárias. Sabemos que esta não é uma tarefa simples, mas, para nós, professores de arte, buscar estratégias para desvelar estas várias camadas colocadas pela contemporaneidade é o caminho escolhido para todos, alunos e professores.