Amigos, colegas, conhecidos, populares: reflexões sobre categorias transitórias da adolescência

Por Fermín Damirdjian

A amizade é uma predisposição recíproca que torna dois seres igualmente ciosos da felicidade um do outro. - Platão

Yo diría que el amor no puede prescindir de la amistad. Si el amor prescinde de la amistad es una forma de locura. Una especie de frenesí, un error, en suma. - Jorge Luis Borges

E sei que a poesia está para a prosa assim como o amor está para a amizade. E quem há de negar que esta lhe é superior? - Caetano Veloso

 

Seria necessário um compêndio de citações para nos aproximarmos de alguma definição sobre a amizade. Não é exatamente o que se pretende aqui. Ocorre, no entanto, que, em plena adolescência, garotos e garotas parecem se perguntar sobre esse tema tanto quanto poetas e escritores dos mais diversos lugares e momentos históricos. Em uma escola, costumamos dizer aos alunos que há amigos com os quais podemos contar para nos divertir, e outros com os quais podemos trabalhar e estudar em sala de aula. Eles nos olham como se os adultos nada soubessem a respeito da amizade. Como posso estabelecer categorias do tipo “trabalhar” e “estudar” quando penso na minha vida afetiva? Adolescentes podem não ter a perspectiva de tempo que ganhamos com o passar dos anos, mas não lhes falta consistência aos questionamentos que nos apresentam na sala da orientação educacional.

Os elos encontrados entre adolescentes são de uma força sem precedentes. Vemos amigos que não se desgrudam; uma necessidade infinda de estar fisicamente próximos, em sala de aula, na volta da escola, no fim de semana. Por outro lado, estão aqueles marcados por não terem companhias com essa força (garotos e garotas que não são influentes no grupo). E todas as variações existem em um mosaico social que nunca termina de se definir.

É comum ouvirmos uma menina “superpopular” nos dizer que sabe que está sempre rodeada de gente, mas que descobre não ter nenhum amigo ou amiga de verdade. Um conflito se apossa de um sujeito; que, ainda assim, se nega a abandonar seu papel nessa nau de loucos que parece ser uma turma de amigos nessa faixa etária.

O fato é que há certas coisas na adolescência que, embora possam ir se acomodando no lodo mnemônico algumas décadas depois, certamente deram as bases para estruturar nossas relações humanas ao longo da vida. As experiências da adolescência podem não ser todas determinantes, mas certamente dão os rumos do barco por muito tempo.

Entre os 15 e os 18 anos, ao longo do Ensino Médio, os grupos se reacomodam na mesma velocidade das transformações físicas e emocionais dos alunos. Muitos deles apresentam um personagem a cada ano, e com ele muda seu entorno social mais próximo. Preferências estéticas, sexuais, musicais, ideológicas, podem acontecer, ao mesmo tempo em que transitam por um mosaico de conformações grupais variadas.

Ocorre que, em torno de todos eles, há adultos olhando, muitas vezes com um certo ar de preocupação. Essa circulação entre os vínculos sociais ilustra também outras indefinições da faixa etária, que normalmente incomodam os pais, tendo como “carro-chefe” a escolha profissional com a “instituição-alvo”, já bem clara e escolhida. Com a mesma necessidade de saber “o que você vai prestar?”, os pais também se questionam quando é que o filho ou a filha vai se definir como sujeito. A que grupo vai pertencer? Por quanto tempo vai negar os estudos? Quando vai optar entre a banda e a carreira universitária? Quando vai pensar em algo além de futebol? Vai sempre andar com a turma que apronta no fim de semana? Ou ainda: por que ele nunca sai no sábado à noite? Ela está aflita demais com o vestibular? Ele está numa fase difícil ou é tímido mesmo? Ele é do tipo que tem poucos amigos ou se sente fracassado por não pertencer a uma turma mais numerosa e barulhenta?

Não podemos, porém, esquecermo-nos de que essa tortuosa trajetória é mais que necessária para estabelecer identidades duradouras. É uma experimentação que dá vida às escolhas pessoais, ao tipo de indivíduo que se forma a partir do contato com tão variados ambientes.

Pode parecer um trânsito superficial, por ser, muitas vezes, tão veloz, mas se esperamos alguma consistência no caráter, ou em escolhas pessoais, é preciso tempo de maturação. Não raro os pais se preocupam, com total legitimidade, com seus filhos, por estarem estes tão indefinidos. Mas também é preciso reconhecer que nós, adultos, também parecemos um tanto imediatistas, por querermos que um indivíduo configure um caráter tão sólido e com sentimentos tão profundos em tão pouco tempo.