Ninguém é café com leite!

Por Cláudia Nicolau

Ao ingressar no Ensino Fundamental 1, as crianças começam a participar de situações mais formais dentro da escola. Gradativamente, aumenta o tempo dedicado às lições e discussões centradas nos conteúdos curriculares; a duração do período em que brincam no parque diminui; surgem as agendas, as provas, as orientações de estudos; aumenta a exigência de autonomia para o cuidado com os próprios materiais...

Estas novidades guardam desafios para todos os alunos, em alguma instância. A apropriação de procedimentos de estudantes é uma tarefa tão complexa que requer investimento dos professores ao longo de toda a escolaridade! Cada qual, ao seu ritmo, vai se habituando à rotina e se ajustando às mudanças advindas de cada série, sejam elas de ordem pedagógica, ou mesmo da ordem do convívio com os colegas e organização pessoal.

Neste contexto, em se tratando de crianças com deficiência, muitas vezes, esse investimento é um pouco mais intenso. Por este motivo, e especialmente quando as crianças são pequenas, é comum ouvirmos questionamentos dos demais colegas, como: “Por que a lição dela é diferente? É mais fácil do que a minha!”, ou, ainda: “Por que ele pode sair da roda, e eu, não? Por que ele pode sair da sala mais vezes do que a gente?”.

Nestes momentos, temos muita tranquilidade em informar às crianças que, em muitas oportunidades, todas as crianças têm atividades e propostas diferentes, com desafios planejados para que pensem exatamente sobre aquilo em que precisam avançar, pois o que lhe parece mais fácil é bastante desafiador para o colega que está realizando. Dessa forma, as crianças vão refletindo, de forma cada vez mais profunda, sobre o conceito de equidade, que pressupõe que todos possam contar com os mesmos direitos, mas, para que isso aconteça de fato, é preciso que algumas das regras sejam ajustadas às possibilidades dos sujeitos.

Nosso compromisso é de que todos, sem exceção, desenvolvam ao máximo suas potencialidades. Assim, se não considerarmos as demandas individuais, as peculiaridades pedagógicas e educacionais, estaremos, de fato, cuidando para que todos tenham igual oportunidade de aprender?

Ajustes curriculares, de tempo didático, substituição de conteúdos, parcerias em espaços extraclasse e outras estratégias de atendimento; nada disso é pensado para que estes alunos alcancem o grupo, mas sim para que possam compor a diversidade da classe, aprendendo e avançando a partir de suas possibilidades.

Oportunamente, volto ao conceito de café com leite utilizado no título desse artigo. Este termo é comumente utilizado em brincadeiras (ou, ao menos, era, no meu tempo de brincar na rua com muitas crianças de várias idades). O café com leite era sempre a criança que ficava à margem das regras, porque era mais nova, mais fraca, ou mesmo diferente. Transpondo essa ideia para nosso cotidiano escolar, ao adaptarmos o currículo das crianças com deficiência, um olhar descuidado poderia afirmar que estamos fazendo exatamente isso, barateando as possibilidades daquele aprendiz e o deixando à margem das discussões do grupo.

Felizmente, aqui na Escola da Vila, temos consciência de que tal premissa é improcedente em todos os sentidos. A transformação em alguns aspectos curriculares, ou mesmo a flexibilidade no tempo de permanência em uma proposta, é planejada meticulosamente, de acordo com as demandas individuais. Cada adaptação é única.

Por fim, gostaria de ressaltar que, na nossa escola, nenhuma característica singular, ainda que imprima algum tipo de limitação no desenvolvimento dos alunos, justifica uma autorização que não seja necessária. Passar um tempo fora da sala para reorganizar as ideias pode ser cognitivamente essencial! Crianças com deficiência não têm privilégios, dentro da escola ou em qualquer setor da sociedade. Elas têm, sim, o direito a serem desafiadas e, como todas as outras, a aprender, tendo seu tempo respeitado para a construção de conceitos. Ganham, assim, todas as crianças, que não apenas convivem, mas compartilham seus saberes e suas experiências, sabendo, desde cedo, que nossas diferenças são o que o nos iguala.