Um espaço possível para a leitura e a escrita na Educação Infantil

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Por Andréa Luize - Coordenação do núcleo de práticas de linguagem

Desde que nascem, as crianças interagem com o mundo que as cerca, o que também ocorre com a leitura e a escrita. Passear pelas ruas e ver letras e números em letreiros e outdoors, assistir televisão e ver tantas e tantas coisas escritas, ouvir histórias e apreciá-las folheando as páginas dos livros, ver adultos escrevendo e lendo, experimentar escrever como fazem os adultos, etc., são apenas algumas das possibilidades de contato com textos que as crianças pequenas podem ter. E é assim que ingressam na Educação Infantil, com vivências e conhecimentos diversos sobre ler e escrever.

A Educação Infantil tem por meta ampliar as experiências das crianças com o universo do qual fazem parte. São crianças curiosas, ávidas por descobertas. Interagir com outros, colegas e adultos diferentes daqueles do âmbito familiar; aprender a compartilhar; conhecer melhor as possibilidades do próprio corpo a partir de jogos, brincadeiras e movimentos dos mais diversos; criar mundos e atuar em papéis variados, sendo um herói, uma princesa, um médico, um professor, um construtor, são algumas das vivências fundamentais que a escola precisa proporcionar. Sabemos que, neste segmento, o jogo, a brincadeira, o lúdico cumprem um papel importante, já que será por meio deles que muitas dessas experiências acontecerão.

Participar de propostas envolvendo a leitura e a escrita de textos também pode fazer parte desse repertório de situações do dia-a-dia das classes de Educação Infantil. Não estamos tratando de propostas em que crianças serão solicitadas a realizar “lições”. Não terão que ligar animais a seus nomes, que passar o lápis sobre letras pontilhadas ou sobre seu próprio nome, tampouco terão que “ler” e “escrever” palavras com poucas letras, por exemplo, como “ai”, “uai”, etc. Essas são tarefas que as distanciam da escrita com a qual interagem desde cedo, pois não possuem função comunicativa e, igualmente, são tarefas que contrariam as características desta faixa etária e que afastam a escola de oportunizar vivências realmente potentes e significativas.

Relacionar-se com a literatura, por exemplo, é uma das experiências mais ricas que a escola pode oportunizar. Ouvir leituras diárias feitas pelos professores, visitar a biblioteca, ser apresentado a novos títulos, levar livros para casa a fim de apreciá-los, conversar sobre o que se lê, sobre o que se pensa sobre as histórias, conhecer mil e um contos, diferentes princesas, príncipes, algumas bruxas, uns tantos lobos... A literatura abre as portas para o encantamento das crianças em relação à escrita. Porém, nem só de literatura vive a Educação Infantil.

As crianças também podem ser produtoras de textos, ditando bilhetes e convites para as famílias, para funcionários da escola, para colegas de outra sala; ditando legendas para as fotos que irão para um álbum (como o do Grupo 1: “Olha como a gente cresceu”) ou para imagens que irão para o mural (como nos estudos sobre animais). Podem, ainda, escrever sozinhas, mesmo que distantes do modo como fazem os adultos, atuando de acordo com suas hipóteses. Participam de inúmeras votações para escolher o material com o qual desejam iniciar uma proposta de Arte, para eleger um título de história muito querido e que querem ouvir novamente.

Do mesmo modo, podem ser leitoras ao abrir um livro muito, muito conhecido e repetir a história ou o poema que lá está escrito; ao lerem parlendas que sabem de memória; ao identificar quem serão os ajudantes do dia a partir das fichas de nomes sorteadas; ao escolher, dentre duas possibilidades, a brincadeira que será feita no dia (ACORDA URSO ou CADA MACACO NO SEU GALHO). Esta última, por exemplo, pode ser encaminhada numa classe de crianças de Grupo 2 (4 anos); os títulos escritos na lousa e, antes de votarem, um pequeno grupo de crianças terá que identificar onde cada brincadeira está escrita, e elas justificarão a partir dos mais diferentes critérios, como: “ACORDA URSO é o maior porque o URSO é muito grande”, “ACORDA URSO é o menor porque a gente fala menos do que quando fala CADA MACACO NO SEU GALHO”, “CADA MACACO NO SEU GALHO é este porque começa como meu nome, Caio”.

Não é o acerto sobre onde uma brincadeira está escrita ou o registro convencional de um título de história que importam para nossa escola e para o professor, mas a oportunidade de participar de atos verdadeiros de leitura e de escrita. Sem exigências absurdas, que não condizem com a Educação Infantil e suas características, as crianças estão aprendendo sobre as funções sociais que a escrita e a leitura podem ter e estão construindo critérios importantes para, gradativamente, compreender como funciona nossa escrita alfabética. E é assim que este segmento pode ter espaços assegurados para o ler e o escrever sem desconfigurar o dia-a-dia das crianças de três a cinco anos.