Conversas em roda

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Por Karen Greif Amar

A aula começa; estão todos do grupo sentados ao redor da mesa, e alguns ainda conversam, entusiasmados, sobre algo de engraçado ocorrido no parque. Duas meninas falam sobre cabelos, enquanto outros alunos e alunas abrem o caderno de Arte, procurando o último desenho realizado durante a semana.  A tarde tem um tom de cor bonito, e os cadernos folheados pelas mãozinhas afoitas criam uma trilha sonora de outono. Duas meninas argumentam que hoje é o dia delas começarem a roda, afinal de contas na semana passada foi a vez dos meninos. Não tenho como negar. Na outra aula, os meninos me pegaram ainda no corredor e pediram para começar a roda, pois tinham um desenho incrível.

Hora de começar, peço silêncio. Falo um “bom dia” meio fora de hora, afinal já são mais de quatro da tarde, e ele ecoa sem retorno. Aos poucos, organizamos a roda e fazemos combinados de quem será o terceiro e o quarto a mostrar o caderno. Um dos alunos conta que seu caderno está perdido não lembra aonde, uma aluna diz que está triste pois o seu foi esquecido em casa. Sua amiga, acho que em solidariedade, talvez, não tem nenhum desenho novo para compartilhar. Pergunto se ela tem certeza, talvez tivesse começado algo novo... não tem mesmo.

Ele está na minha frente, os olhos brilhando, os braços envolvendo o caderno num aperto, avisando que será o último. Combinado!

Todos atentos, hora de começar. Os alunos, um a um, começam a mostrar e contar sobre o trabalho feito, ou ainda em andamento,  em pensamento gráfico e construção...

Lembro muito bem de um dos meus primeiros textos escritos para o  Simpósio Interno da Escola da Vila sobre o caderno de Arte e o quanto esse objeto é significativo para os nossos pequenos estudantes.  Mais uma vez, me pego pensando sobre isso, e percebo o quanto esse assunto faz parte de minhas reflexões como professora dessa área.  Valorizar o caderno de Arte do aluno é valorizar seu percurso de estudante, de desenhista, sua própria história. Ver desenhos de outros alunos durante o momento da roda, perceber diferentes maneiras de representação (de alunos, a sua própria e de artistas) alimenta o próprio desenhar, pois assim pode-se refletir sobre sua prática desenhista. Nesse sentido, oferecer ao aluno a possibilidade de abrir o seu mundo, por meio do seu caderno, e apresentá-lo aos amigos da classe é uma situação indescritível. Só sabe disso quem está lá. Contar sobre o desenho, colagem ou recorte feito, os projetos, as experiências da linha, cor, forma e o conhecimento que construiu até então sobre desenho revela o aluno como descobridor de seu próprio caminho.  Um percurso, ainda sem um final definido.

Em seu “Livro Sobre Nada”, Manoel de Barros diz que “há muitas maneiras sérias de não dizer nada,  mas só a poesia é verdadeira”. Eu acredito que o desenho também é verdadeiro.

A roda chega ao fim, é a vez dele. Em alto e em bom som ele diz: “Eu tenho uma surpresa, e vocês não vão acreditar nesse desenho que eu vou mostrar!”.  Seu sorriso não cabe no rosto. E nem o meu.