O meu pé de laranja lima

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Por Aline Evangelista Martins

Quando interrogado sobre os livros que devem ser indicados aos estudantes, o professor e crítico espanhol Luis Daniel Gonzáles recomenda que os mediadores selecionem obras que possibilitem aos jovens leitores “conhecer-se melhor e apreciar melhor a complexidade da realidade, as que os fazem sair de si mesmos e lhes abrem aos problemas dos demais, as que abordam a profundidade e a visão de conjunto que seus anos de vida ainda não lhes puderam dar”¹.

Entendemos essa recomendação como uma aposta na ampliação da experiência por meio da leitura. Lendo e conhecendo vidas feitas de palavras, os leitores conseguem sair da própria realidade e visitar outros mundos, povoados de pessoas que, embora sejam feitas de papel e tinta, tornam-se companheiras de trajetória por um tempo. Não raro, essa convivência com mundos distantes deixa marcas profundas, que ficam guardadas na lembrança por muitos anos.

Esse parece ser o caso do clássico O meu pé de laranja lima, de José Mauro de Vasconcelos. Tão logo a lista de livros do 7o ano chega às mãos dos pais, começamos a ouvir depoimentos sobre as lembranças dessa leitura: “Como era triste!”, “Como eu chorei!”. E os alunos rapidamente nos trazem essas notícias: “Minha mãe leu quando era pequena”, “Meu pai disse que foi o livro de que ele mais gostou quando tinha a minha idade”.

Esse poder de atravessar gerações e seguir tocando profundamente os leitores é tema das discussões sobre literatura no 7o ano. O que faz com que uma obra siga sendo lida e apreciada através dos tempos? Por que alguns livros se tornam clássicos e perduram, para além dos modismos? Por que a infância de Zezé, ainda que seja tão diferente da nossa, tem tanto a nos dizer? Talvez o segredo seja justamente o fato de que o livro nos apresenta um universo muito distante do nosso (outro contexto, outra época, outra condição socioeconômica) e, ao mesmo tempo, muito semelhante. Afinal, trata de amizade, de criação de vínculos, da dor pela perda, situações muito próximas a todos os leitores. Acreditamos que esse movimento entre o próximo e o distante, entre a identificação com a vida das personagens e a descoberta de outras formas diferentes de viver, seja um dos segredos do sucesso desse livro, que marca há muito tempo o começo do 7o ano na Escola da Vila. Examinando os seguintes depoimentos, coletados em atividades sobre o livro, podemos observar a força da obra para proporcionar descobertas e para disparar reflexões sobre a vida.

“Com este livro, eu descobri que a vida dos mais pobres é, definitivamente, MUITO pior do que eu imaginava, e que eu não tenho a menor moral para reclamar de nada. Eu achei isso interessante, pois, com todas as notícias na TV, nos jornais, eu nunca realmente me importei, mas com Zezé, apenas um simples garotinho, eu fiquei totalmente comovida”.

“Fiquei emocionada com a parte do natal, do Zezé não ganhar nenhum presente. Achei muito triste, tive vontade de procurar o Zezé, entrar na história e dar um presente para ele e para o Luís. Fiquei brava por ele não ganhar nada. Mas, como isso é impossível, fiquei triste. Também achei a parte que o Portuga morre muito triste. O Zezé perder toda a imaginação e ter que lidar com fatos tão horríveis, achei triste mesmo, o Portuga morrer e deixar o Zezé lá, ‘sem ninguém’ para falar nada”.

“Uma parte que me deixou emocionado foi a parte em que Zezé falava como menino Jesus, querendo o Portuga de volta. Eu me emocionei nesta parte, pois ele fala de um jeito que muitas crianças de cinco, seis anos não conseguem nem pensar. Ele reflete sobre a vida e diz que melhorou e está agora uma boa criança”.

Estamos agora vivendo um momento privilegiado: pouco depois de concluída a leitura, entrou em cartaz uma adaptação do filme para o cinema, o que vai nos dar a oportunidade de ampliar os focos de discussão. Por esta razão, em breve, será proposto que todos os alunos do 7o ano assistam ao filme. Vamos, inclusive, organizar uma “tarde no cinema”, para aqueles que desejarem fazer esse passeio junto com os colegas da escola.

O convite será restrito aos alunos do 7o ano, mas fica a sugestão de que os mais velhos também o façam. É uma boa oportunidade de reviver as emoções proporcionadas por esse livro tão querido pela nossa comunidade!


¹ Tradução livre de trecho do artigo “Apuntar alto para llegar lejos”.