Para reaquecer o desenho: o ato de desenhar na formação do professor

Por Marisa Szpigel - Zá

Mesmo que tenham familiaridade com o desenho, uma vez que em sala de aula observam e conversam sobre o assunto diariamente, colocar o professor para desenhar é sempre um desafio nas ações de formação. Mas continuar a pensar sempre sobre o desenho como linguagem exige que o professor experimente o processo de grafar. Como propor que o professor mergulhe em um processo que possibilite que ele, ao mesmo tempo, reflita sobre a linguagem e o apoie em suas ações pedagógicas?

1

2Desenhar a partir de uma interferência no suporte, sem preocupar-se em figurar, para acompanhar o caminho da linha.

 


3

Colocar os professores diante uma situação em que se sentem pouco à vontade para experimentar o ato de desenhar, além de desconfortável, não põem na posição que é desejável que coloquem seus alunos. Se a concepção de desenho que queremos que o professor entre em contato implica em descobrir esquemas gráficos particulares e não os impostos socialmente, é necessário criar propostas de desautomatizar o desenho, propondo ao mesmo tempo uma desconstrução e uma construção.

O elemento fundamental do desenho é a linha, mas não é qualquer linha que faz do desenho uma linguagem. Essa linha precisa ganhar a qualidade expressiva do desenhista, e é em busca dessa linha expressiva que temos o desafio de lançar o professor.

Ao solicitar que ao desenhar procurem observar seu próprio ato [de desenhar], sem preocupação com o que desenhar, mas poder sentir a materialidade da linha, os caminhos que percorrem na superfície desenhada torna-se possível entender o gesto que produz o traço, experimentar intensidades diferentes do material com que está grafando, observar a ativação do espaço.

Se o corpo participa da ação de desenhar, é necessário sentir como ele se posiciona, e que a posição em que está provoca alterações na qualidade da linha. Desenhar em pé, sentado, agachado, deitado ou esticado faz diferença, e se não existe uma posição única para realizar desenhos, é importante que cada um encontre uma relação pessoal entre o corpo e a superfície que será marcada, para encontrar também a qualidade de linha que deseja.

4

5bA professora do Grupo 3, Andrea P. comentou que escolheu o papel Craft porque gosta de suportes grandes. Queria explorar o gesto.  Escolheu colocar o suporte em um lugar alto para poder ver a linha aparecer ao acaso, e interagir com ele. Deixar a tinta escorrer e acompanhá-la com o gesto, um pouco controlar e um pouco não controlar o desenho. No meio do processo, percebeu que o material, às vezes, coloca uma limitação. Após a experiência, concluiu:

“Quando passamos por esse tipo de experiência temos mais condições de pensar nas situações em sala de aula. Se oferecermos para as crianças o mesmo suporte, colocando-o no mesmo lugar para todo o grupo, é possível observar as pesquisas de gestos para oferecer novas possibilidades para que os alunos conheçam e mudem os suportes e continuem investigando as possibilidades de gestos e a criação de linhas, movimentos e gestos.”

E como encontrar um esquema gráfico  desprovido de esquemas impostos socialmente, por exemplo, a figura humana, a árvore e a casinha? Para mexer com esquemas gráficos que estão há muito tempo cristalizados, o desenho de observação de algo novo, que ainda não foi desenhado pode ser revelador de uma linha mais expressiva. Para desenhar algo em que não há esquema ainda é preciso inventar um esquema e, desse modo, a linha para esse esquema não surge automaticamente, é uma linha que precisa ser descoberta, experimentada pela primeira vez.

6

7Escolher o que desenhar, buscar o enquadramento desejado, localizar o desenho no papel e ver nascer um esquema gráfico pode ser muito revelador de uma linha expressiva.

 

Refletir sempre sobre o desenho da criança é um ponto fundamental na formação do professor. Passar pela experiência de desenhar contribui para que o professor mergulhe na linguagem e resgate o vínculo com a prática, reaquecendo um pensamento que só pode ser acionado no ato de desenhar. Experimentar diferentes modos de desenhar, a partir de propostas análogas às experiências das crianças da Educação Infantil, pode favorecer maior aproximação com o pensamento da criança acerca do desenho.

8

9A professora Day, do Grupo 2, preferiu fazer desenho de observação das expressões faciais. Disse que enquanto ouvia a proposta, começou a imaginar as linhas expressivas que se desenhariam em sua face. Comentou ao apreciar sua produção: “Os desenhos não ficaram esteticamente interessantes, ou seja, não ficaram bonitos. A beleza estava no processo de pesquisa de linhas perdidas; eu estava mais atenta na busca das linhas de expressão”.