Ser menino e menina hoje!

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Por Dayse Gonçalves

Neste ano, tanto a revista Crescer como a Galileu publicaram, respectivamente, artigo e entrevista sobre um estudo da pesquisadora Michele Escoura, com duzentos meninos e meninas de escolas de Educação Infantil, públicas e privadas, sobre como é a percepção dos pequenos do que é ser mulher hoje. Tomando como referência Cinderela e Mulan (princesas clássica e rebelde, segundo critérios da Disney), em entrevista à Galileu, Michele conta que “a pesquisa mostrou que, já aos cinco anos de idade, as meninas relacionam feminilidade com consumo, padrão de beleza e casamento”.

Embora a maioria das mulheres de hoje se pareça mais com a princesa-guerreira Mulan do que com Cinderela, meninas não consideram Mulan uma princesa, tampouco é esse o tipo de princesa que almejam ser. Elas já referem o desejo de se casar com um príncipe que lhes proverá e, quem sabe, resolverá todos os seus problemas e assumirá inteira responsabilidade por sua felicidade. É isso o que queremos para nossas meninas? Que depositem no outro a responsabilidade pela própria felicidade? Que construam a ideia de que a realização de si depende da capacidade que desenvolvemos de obter (TER) objetos ou atributos (SER), que determinadas personagens da mídia ao comunicar masculinidades e feminilidades nos impõem? E os meninos? Que implicações esses estereótipos têm na construção de sua masculinidade?

Para tentar compreender tudo isso e pensar no papel da educação no desenvolvimento de meninos e meninas, a Escola da Vila convidou a antropóloga Heloísa Buarque de Almeida, professora da Universidade de São Paulo, para abordar questões de gênero e diversidade nas reuniões de pais da Educação Infantil no final do semestre passado.

Os exemplos trazidos pela pesquisadora e pelos pais e mães presentes nesses encontros nos permitem afirmar que os padrões e os estereótipos são resultantes de esforços da mídia, sejam os seus alvos adultos ou crianças. Se na TV e nas revistas o que se valoriza é o ser magro, branco, ter cabelo liso, belos vestidos e joias, o mercado de consumo, por sua vez, tem sido pródigo na criação de produtos destinados ao público adulto e infantil que colaborariam para a introjeção desses ideais.  E, se esse é, segundo Michele, o “ideal de feminilidade socialmente valorizado, buscado e reivindicado por boa parte da mídia”, o papel das princesas Disney seria o de “traduzi-lo para essa faixa etária, introduzindo essas representações e regras já na infância”.

Se há relação entre posse e identificação no que tange aos objetos de consumo, que papel teríamos nós, adultos, nesse processo? Já repararam que quase nunca conseguimos resistir à tentação de comentar os atributos ou a aparência das meninas e quase nunca elogiamos sua inteligência? E os meninos, então? Enquanto as meninas são as princesinhas da mamãe e do papai, os meninos são convocados a ser heróis, a corresponder a uma série de expectativas, inclusive as das meninas princesas!

Acredito que poderíamos começar a questionar as lojas de brinquedos, que classificam os “brinquedos de menino” e “brinquedos de menina”, constrangendo meninos e meninas, ou a nos rebelar contra propagandas de TV que oferecem fogões e pias iguaizinhos aos da mamãe, num tempo em que já não é novidade a discussão sobre a divisão democrática do trabalho doméstico e nos cuidados com a prole.

Em algumas escolas tem-se procurado caminhar na contramão. Nelas, brinquedos e objetos estão a serviço de “brincadeiras de criança”, em que meninos e meninas podem brincar do que quiserem, representar os papéis que desejarem, e são respeitados nas suas escolhas, nos seus modos de ser. Afinal de contas, meninos e meninas são diferentes entre si!

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