As ciências no vaivém das ondas

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Por Ana Cristina Almeida e Divino Marroquini

A viagem do 2º ano do Ensino Médio a São Sebastião e Ilhabela nos levou a quatro dias de intenso trabalho em campo. Parece pouco tempo, mas a variedade de experimentos e vivências que tivemos foi incrível. Aproximar adolescentes do trabalho de investigação em Ciências Naturais é um desafio, mas o tema é tão instigante que o tempo passou voando, e queríamos ficar mais.

O trabalho de campo no litoral é a peça-chave do Projeto Integrado desta série, que conjuga conhecimentos de diversas disciplinas e áreas, tais como a Biologia, a Física, a Química, a Geografia, a Sociologia, a Matemática e a Língua Portuguesa. Neste Projeto, os alunos estudam, ampliam e aplicam tais conhecimentos, com a finalidade de mapear uma região litorânea, partindo das características naturais e humanas deste litoral, quanto ao risco de sofrer um derramamento de petróleo e quanto ao grau de sensibilidade frente às consequências deste acidente. Um mapa semelhante, denominado Carta SAO (Carta de Sensibilidade ao Óleo), é um registro produzido e efetivamente utilizado por órgãos públicos e empresas privadas envolvidas em atividades marinhas, portuárias, petroleiras e ambientais, pois indica as prioridades nas ações de proteção e limpeza de regiões que podem ser atingidas por manchas de petróleo. As alunas Helena Manásia e Júlia Leite (2º A) consideram que: “A viagem possibilitou estudar a Ciência, que tanto vemos em sala de aula, de forma prática (...). Em um primeiro momento, a proposta nos pareceu semelhante às aulas cotidianas, no entanto ela se revelou muito interessante e importante para compreender uma questão muito problemática.”.

Distribuídos em três grupos, os alunos se alternaram nas atividades de coleta e tratamento de dados. Várias das técnicas de coleta usadas em campo foram simuladas e exercitadas na escola antes mesmo da viagem, possibilitando aos alunos maior autonomia nas situações de trabalho real. No campo, um grupo visitava as praias, onde tomava amostras de areia, media a inclinação do solo, a altura e frequência das ondas e o teor de coliformes fecais na água; outro grupo, em embarcação, registrava dados da corrente marinha, direção e velocidade do vento, temperatura, densidade e salinidade da água em diferentes profundidades, além de coletar amostras de água para análise química posterior; o terceiro grupo levantava dados sobre a biodiversidade da região, seja no trabalho de observação e medidas da fauna e flora em manguezais, seja na classificação e medidas de organismos coletados em uma pesca. Nos dois dias seguintes, os grupos de alunos fizeram um revezamento nas atividades, de forma que todos realizassem os procedimentos, porém cada vez em locais diferentes, propiciando um conjunto de dados mais amplo. Sobre essa rotina de trabalho, o aluno Bernardo Ballardin (2º A) nos diz que: “Ouvindo relatos de alunos que fizeram a viagem no ano anterior, concluí que esse novo revezamento foi muito importante para expandir as aprendizagens que a viagem proporcionou para todas as áreas que estavam presentes.”.

O trabalho não se restringiu a tomadas de dados nas praias ou no mar, pois entender a complexa cadeia de consequências dos impactos dos derrames de petróleo requer que os alunos se aproximem de aspectos humanos, tal como a relação homem-natureza presente na exploração da pesca, do turismo e do extrativismo ou as relações sociais de conflito e negociação que as diversas atividades implicam. Além de conhecer o comportamento da natureza e suas maiores fragilidades, em caso de acidente, a carta SAO quer avaliar e indicar as prioridades de ação. Por isso, saber o que pode acontecer com as pessoas que moram nesses lugares se torna fundamental. Nesse intuito, foram promovidas entrevistas e debates com representantes da Secretaria de Turismo, da Secretaria do Meio Ambiente, do Instituto Ilhabela Sustentável, da Colônia de Pesca Z-14 e do Porto de São Sebastião. Fomos, ainda, ouvir moradores, comerciantes, pescadores, turistas e depreender daí a percepção dos riscos e o grau de mobilização social em casos de acidentes. Não por acaso, André Baffini (2º B) afirma que: “As inúmeras atividades propostas aos grupos, junto à liberdade que foi concedida aos alunos, tornaram essa viagem muito interessante e marcante, apesar de muito intensa.”.

Nas etapas de fechamento do trabalho, depois dos estudos mais técnicos envolvidos na redação do relatório de campo e da elaboração das cartas geográficas, os alunos encenarão um debate simulando uma reunião de todos os representantes locais que foram entrevistados durante o trabalho, frente a um acidente. Perceber como a vida de cada um pode ser impactada, qual é a melhor ação para mitigar os efeitos, quanto tempo a região impactada necessita para se recuperar... Estas são perguntas que queremos ver debatidas.

Essa região que conhecemos e visitamos com tanta frequência merece toda a nossa atenção, e conhecer a sua fragilidade nos coloca em um papel muito importante, o papel de questionar as ações tomadas ou ajudar a reforçar as atitudes que mobilizam a população. Matheus Mazzocato (2º B) avalia que: “A proposta de expansão do universo escolar propicia a familiarização ao método de trabalho do campo científico, mas, sobretudo, amplia as fronteiras da sala de aula, possibilitando ao aluno uma formação cívica, atenta e respeitosa quanto às questões socioambientais que permeiam o mundo atual”.