Alfabetizar hoje

31_01_2014Sereia - Canção popular

-

Por Fernanda Flores

Nenhuma criança chega à escola ignorando totalmente a língua escrita. Elas não aprendem porque veem e escutam ou por ter lápis e papel à disposição, e sim porque trabalham cognitivamente com o que o meio lhes oferece. [...] Por trás da mão que pega o lápis, dos olhos que olham, dos ouvidos que escutam, há uma criança que pensa.

Emília Ferreiro

Ao longo desta semana, realizamos as primeiras reuniões de pais dos primeiros anos do Fundamental 1. Dentre tantas novidades que compõem a entrada em uma nova e aguardada fase da vida escolar, muitas perguntas se colocam aos pais, que dizem respeito ao processo de alfabetização em curso. Assim, consideramos importante compartilhar algumas reflexões sobre esse momento.

Quantas coisas poderiam existir no mundo atual sem a escrita? Nenhum dos traços mais cotidianos de nossas modernas sociedades estaria aí, e é exercício, quase impossível, imaginar um mundo sem livros, livrarias e bibliotecas; sem jornais, mensagens eletrônicas, receitas médicas, etiquetas; sem dicionários, sem ciência, sem literatura. A imagem de uma cultura sem escrita não faz mais do que nos mostrar uma lista (incompleta) dos bens culturais dos quais não participam do mesmo modo aqueles que têm ou não acesso ao domínio da língua.

E, para ter acesso a esse mundo letrado, o que significa alfabetizar hoje? Para nós, significa criar condições de aprendizagem que permitam ao aluno produzir e compreender as linguagens oral e escrita, adequadas às circunstâncias nas quais se encontrem envolvidos, com progressão de desafios e complexidade. É tarefa que compromete e instiga todos os que escolhem acompanhar essa jornada desde seu início.

Entendemos que compete à escola a função alfabetizadora, e sabemos o quanto esse aprendizado se entrelaça com experiências extraescolares, haja vista que as crianças participam ativamente de culturas alfabetizadas. Desde muito cedo, praticam e convivem com práticas leitoras e escritoras cotidianamente, e isso as inscreve, antes mesmo de frequentar uma escola, na cultura letrada.

Estamos, portanto, muito distantes de conceber a alfabetização como a aprendizagem instrumental das primeiras letras, de palavras, textos desconexos, vazios de sentido. Tal concepção é insuficiente e mal colocada em nosso tempo. Mais que isso, atrasa e se transforma em obstáculo a ser superado com esforços legítimos e bem mais complexos e inteligentes que cada sujeito põe em ato diante do desafio de ler e escrever.

O processo de alfabetização, tal como o compreendemos, não se reduz apenas ao domínio do alfabeto, da combinação das letras, menos ainda da decodificação ou da memorização de palavras sem sentido para seus leitores. Demanda, sim, uma compreensão de como nosso sistema de escrita se organiza para comunicar tantas coisas às pessoas que o utilizam em diferentes contextos, com diversas funções e distintos interesses. Pretendemos que se tornem usuários cada vez mais integrados a esse universo, praticando a escrita nas variadas situações nas quais ela é condição necessária de comunicação.

É este o verdadeiro ganho: crianças ativas pensando sobre o que escrever e como fazê-lo, num espaço onde não somente a professora sabe, mas no qual podem expressar suas ideias sobre a escrita, buscar informações para responder às suas dúvidas, ajudando-se mutuamente nesse processo, sentindo-se, assim, responsáveis pelo que produzem e aprendem entre todos!

A jornada que passaremos juntos ao longo desses anos de alfabetização é uma das mais fantásticas... Ver com nossos olhos, os olhos dos outros pequenos por quem zelamos, se igualando aos nossos na capacidade de interpretar a linguagem no mundo!