Amar, verbo incondicional

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Por Susane Lancman Sarfatti

Permitam-me iniciar minha participação no blog da Escola da Vila de 2014 com uma indicação literária. Afinal, as férias trazem essa possibilidade de termos mais tempo para leitura de fruição... o mais puro deleite.

Dentre os livros lidos, um deles foi mais impactante, mas só percebi isso quando, na volta das férias, me vi compartilhando trechos com todos aqueles que passavam à minha frente. Tudo me remetia a algum aspecto do livro: a elaboração do plano de estudo de biologia do 2º ano na parte de genética; a discussão sobre ética na ciência com os alunos do 1º ano; a reunião com os orientadores sobre as crises da adolescência; as conversas em família e com amigos sobre a nossa própria crise, como pais, tentando acertar na educação de nossos filhos. Enfim, esse livro conta diferentes jornadas de pais na aventura de amar seus filhos, em que aprendem a função de serem pais justamente com aqueles a quem precisam educar.

Filhos... filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-lo?

Vinicius de Moraes no “Poema Enjoadinho” inicia com uma pergunta: “Filhos... filhos?”. E faz uma afirmativa contundente: está lá a exclamação que não nos deixa dúvida: “Melhor não tê-los!”. Mas logo no verso seguinte questiona a sua afirmativa com outra pergunta bastante conhecida: “Mas se não os temos/Como sabê-lo?”.

O poeta se permitiu o benefício da dúvida, mesmo que ao longo do poema essa se reduza consideravelmente, a ponto de convencer a qualquer indeciso de plantão a beleza da procriação.

Esse mesmo poeta é categórico ao afirmar: “Que me perdoem as feias, mas beleza é fundamental”. Então, o que sentir e fazer quando nos deparamos com a “feiura” de nossos filhos? Com atitudes ou doenças que nos causam pavor? É possível amá-los incondicionalmente? É possível conviver tão de perto com a imperfeição quando vivemos em plena era da busca pela perfeição? É possível amar nossos frutos, quando caíram tão longe da árvore?

O autor do livro Longe da árvore − Pais, filhos e a busca da identidade, Andrew Solomon, nos convida a adentrar em um mundo de famílias que tiveram filhos que nasceram ou apresentaram em seu desenvolvimento algum tipo radical de diferença em relação a seus pais: nanismo, esquizofrenia, criminosos, autismo, síndromes, pródigos... Quer dizer: filhos que contradizem o ditado popular “tal pai, tal filho”, afinal, caíram longe da árvore.

Solomon separa a identidade dos filhos em duas categorias: a vertical, que é transmitida pelos pais, e a horizontal, que aderimos com nossos pares, que nos define por nossa própria conta e risco, sem nada dever à arvore da qual caímos.

A sensação durante a leitura de cada capítulo que versa sobre um tipo de identidade horizontal é a mesma de viajar a países desconhecidos com costumes peculiares. O autor nos conduz a essas viagens, não como o turista que olha de longe e não vive a terra, ao contrário, ele nos coloca lado a lado com os habitantes, suas vozes, suas histórias e participamos tão ativamente que, em certos momentos, me senti também cidadã de lá.

Algumas das passagens mais perturbadoras do livro tratam de Sue e Tom Klebold, pais de Dylan, um dos dois responsáveis pelo massacre de Columbine, em 1999. Ser pai ou mãe de um criminoso parece um desafio impossível, até conhecer esses pais. Como olhar para o filho e não ver só o crime?

A cada viagem surgem novas questões: Como entender a opção de pais surdos de querer filhos surdos porque percebem na surdez sua identidade? Como entender a mulher cega que diz que deseja ter visão tanto quanto ter uma par de asas? Como não reduzir uma filha à sua síndrome? Como aceitar as limitações impostas por uma deficiência? Como olhar para além da altura do filho anão? O que fazer quando um filho suplica ser chamado por um nome feminino porque sente que nasceu em um corpo errado?

A cada capítulo o autor traz novas contribuições para refletirmos sobre o que é deficiência e o que é identidade; oferece dilemas morais que nos instigam intelectualmente, mas mais do que isso, nos faz sentir intensamente algumas questões morais; apresenta dilemas éticos criados pelas novas tecnologias de análise e manipulação genética insolúveis.

Mas, acima de tudo, apesar da dureza do assunto, o autor nos mostra beleza: a enorme capacidade de amar, um imenso altruísmo, uma gigantesca resiliência e, sobretudo, a diversidade humana contada em prosa, quase poética. Vivi, nas mais de oitocentas páginas, o amor incondicional.