Aulas expositivas em escolas construtivistas?

Sobre obrigar o aluno a refletir, argumentar, relacionar e duvidar, ou seja, garantir a atividade mental.

19_03_2014

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Por Susane Lancman Sarfatti

Qualquer que seja a modalidade organizativa do ensino, projetos, atividades permanentes, sequências de atividades ou atividades independentes, é possível lançar mão de aulas expositivas ou dialogadas, não incorrendo em nenhuma heresia ou pecado pedagógico, nem mesmo em um projeto que tenha como base teórica o construtivismo.

Nas últimas décadas, parece que as aulas mais centradas no professor passaram a ser malvistas por muitos educadores, por serem a representação de um ensino diretivo e tradicional, como se em si essas aulas se opusessem ao ensino construtivista. Mas sabemos que, se bem planejadas e executadas, essas estratégias de ensino podem ser eficazes, tanto para o ensino quanto para a aprendizagem dos alunos. Todavia, é importante ressaltar, há a necessidade de variar as estratégias de ensino em função dos objetivos de aprendizagem e da faixa etária, logo, a aula expositiva não pode ser a única estratégia.

Sem dúvida, na aula expositiva, bem como na dialogada, o aluno fica em um papel menos ativo do que o professor, o que em si não é um problema, já que é papel do professor analisar as situações didáticas e fazer as escolhas mais pertinentes para levar o aluno à aprendizagem significativa. A grande questão é analisar, seja qual for a estratégia de ensino, se há ou não atividade intelectual por parte dos alunos, “atividade mediante a qual constrói e incorpora à sua estrutura mental os significados e representações relativos ao novo conteúdo”.

São duas as condições para que a aprendizagem significativa ocorra: o conteúdo a ser ensinado deve ser potencialmente revelador, e o aluno precisa estar disposto a relacionar o conteúdo de forma consistente e não arbitrária. Dessa forma, as escolhas do que ensinar e de como ensinarsão essenciais, ressaltando a importância do trabalho do professor na proposição de situações que favoreçam a aprendizagem. E, por parte do aluno, um fator decisivo para que relacione os conteúdos é o papel dos conhecimentos prévios como suportes em que os novos conhecimentos se apoiam; então, uma premissa para o professor planejar a aula é considerar os conhecimentos prévios dos alunos. Por isso, muitas das reuniões pedagógicas da Escola da Vila têm como foco analisar e discutir os aspectos acima levantados: O que ensinar? Como ensinar? Como considerar os conhecimentos prévios dos alunos?

A aula expositiva é uma estratégia pouco utilizada por nós para introduzir um conteúdo. Ela aparece como fechamento ou em momentos específicos do processo de ensino, em que o professor julga necessário dar explicações ou fazer “fechamentos parciais”. Vale dizer que raramente o professor faz exposições orais sem interrupções dos alunos, muitas vezes estes são convidados a falar com incentivo do próprio professor. A partir das respostas dos alunos, o professor continua a sua exposição. Apesar da palavra circular entre alunos e professores, a aula é expositiva, porque a fala dos alunos complementa o monólogo do professor, que muitas vezes convida justamente os alunos a fazerem a aula avançar.

Certamente essa escolha da estratégia expositiva-conversada parece dar uma cadência à aula, mas é preciso que o aluno esteja atento à troca do interlocutor para acompanhar a progressão do raciocínio, não ficando só atento à fala do professor, mas também às dos colegas. Além disso, é preciso que ainda compreenda a razão dos diversos momentos em que o professor dá voz aos alunos, que pode ser para verificar a aprendizagem de algum conceito importante, para assegurar que pode dar continuidade ao que estão apresentando ou para retomar algum aspecto estudado anteriormente.

Nesse processo de diálogo, é possível que apareçam: outras perguntas do professor; dúvidas dos alunos; comentários que levem à discussão para outros caminhos; representações dos alunos sobre determinado assunto, nem sempre corretas; dificuldades; alunos que se manifestem em demasia e outros de forma insuficiente. Para cada um desses aspectos, é preciso ação por parte do professor: perguntas novas são necessárias, quando há problemas de formulação ou quando é preciso aprofundar algum aspecto do diálogo; reconduzir a classe para o foco da discussão, quando se afastam do objetivo de ensino; explicações de determinado assunto, quando se percebe aprendizagens deformantes; atividades extras, quando se avalia necessidade de mais treino ou mais desafio; limite para alguns alunos não monopolizarem a fala e incentivo para outros se manifestarem.

A participação é uma das formas do professor conhecer o pensamento do aluno e ajustar seu ensino, caso seja necessário. Mas é impossível que todos tenham na classe chance de se colocar no diálogo coletivo, portanto as propostas de diálogos em dupla ou em grupos antes ou depois da discussão coletiva se fazem necessárias, bem como os momentos sem interação com o outro, em que o aluno se debruce sobre suas próprias ideias. Diferentes momentos de atividade intelectual em que é preciso relacionar o que se está aprendendo com os conhecimentos anteriores, estabelecendo novas estruturas mentais.

É nesse processo dinâmico e complexo que se constrói a aprendizagem significativa, em que a reflexão do aluno é ponto central à autonomia intelectual, o que corrobora a ideia de Theodor Adorno no texto “Educação após Auschwitz”, em que afirma:

“É necessário contrapor-se a uma tal ausência de consciência, é preciso evitar que as pessoas golpeiem para os lados sem refletir a respeito de si próprias. A educação tem sentido unicamente como educação dirigida a uma autorreflexão crítica... Culpados são unicamente os que, desprovidos de consciência, voltaram contra aqueles seu ódio e sua fúria agressiva.”