Diálogo, trocas, e trabalho cooperativo na formação de professores

21_03_2014

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Por Zélia Cavalcanti

Até bem recentemente, quem trabalhasse em classes do ensino básico acreditava que as melhores condições de aprendizagem ocorriam em salas de aula onde o silêncio imperava, e que qualquer tipo de interação entre os aprendizes provocaria desatenção e interferiria no aprendizado de todos.

Mesmo que, há mais de um século, pensadores da educação venham contestando essa crença, foi só nas últimas décadas do século XX que a publicação de vários trabalhos sobre processos de ensino e aprendizagem levou um número significativo de professores a suspeitar dos velhos dogmas escolares e experimentar práticas que incluíssem trocas entre estudantes durante atividades de construção de conhecimento em diferentes áreas.

Os primeiros passos desse movimento foram promovidos pelos trabalhos em grupo. Mas foi o instrumental metodológico socioconstrutivista que melhor forneceu boas justificativas e impulsionou o desenvolvimento, a diversidade e a multiplicação de propostas de ensino incluindo o diálogo e os intercâmbios cognitivos, o que contribuiu, significativamente, para ampliar as condições de sua ocorrência na atividade escolar.

Como entre o instrumental metodológico, as boas propostas e os alunos estão os professores, é fundamental que os cursos (presenciais ou online) em que esses profissionais buscam aperfeiçoar-se e ampliar sua formação, incluam procedimentos que evidenciem a importância das interações construtivas em processos de aprendizagem. Esse tem sido um dos objetivos de nosso Centro de Formação desde que assumiu como meta ter a concepção construtivista de ensino e aprendizagem como referencial teórico para as ações de formação de professores.

No entanto, no trabalho com esse objetivo observamos que, para muitos profissionais, trabalhar em atividades de formação que incluem procedimentos de interação e parceria com outros professores é algo improdutivo e desnecessário, além de ocupar o lugar considerado fundamental de ouvir o formador “transmitir” seu conhecimento. Ou seja: mesmo que compreendam a ideia e a importância desse princípio pedagógico construtivista e procurem aprender formas de levá-lo para o trabalho em classe, não acreditam que também seja fundamental para a qualidade de seus processos pessoais de construção de conhecimento.

Convencer esses profissionais do contrário é, então, um desafio que se coloca aos formadores que não abrem mão da qualidade das propostas de interação e parceria nas ações de formação pedagógica que oferecem. E quem se propõe a isso sabe que não é uma tarefa fácil, embora alguns bons caminhos já tenham sido descobertos.

Miruna Genoino, recentemente, me contou uma estratégia que tem se mostrado potente nesse sentido. Na primeira aula ela pede que cada profissional se apresente a partir da escolha de um tema, de uma lista que ela sugere: “um filme inesquecível”, “uma decisão que mudou minha vida”, “uma viagem que desejo muito realizar”, “meu livro de cabeceira” são alguns exemplos. Poder falar de aspectos pessoais e com conteúdos afetivos, se identificar com os relatos de colegas, descobrir que alguém “já fez a mesma loucura por amor” tem sido uma proposta sempre bem recebida e tem se mostrado uma boa “chave” para abrir as portas da cooperação em classe.

Como a disponibilidade mental para ouvir a proposta de um colega, pensar a partir dela, contrapor essa ideia ou reformular o que pensa sobre o que foi dito é uma atitude derivada de situações em que cooperar intelectualmente é o desafio; como compartilhar apontamentos, reconhecer que algumas conclusões só se tornaram possíveis como resultado das trocas entre colegas, poder dividir a nota de um trabalho em grupo que recebeu contribuições de natureza diversa, também se aprende; o que a proposta de Miruna parece nos dizer é que quando se deseja contribuir para o desenvolvimento desses aspectos, num grupo de professores desejosos de aperfeiçoamento profissional, temos de ladrilhar o caminho que percorrerão juntos com encontros interpessoais, histórias de vida, emoções comuns, para que, sobre essa camada de sensibilidades compartilhadas, os diálogos, as trocas e o trabalho cooperativo aconteçam.

Imaginando que os profissionais que acorrem aos nossos cursos frequentaram escolas onde o clima de trabalho era como o referido no primeiro parágrafo deste texto, acho que tem tudo a ver.