Respeito aos ritmos e processos diferentes na diversidade de sala de aula.

26_03_2014

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Por Fernanda Flores

Quando temos a oportunidade de debater entre educadores pressupostos do ensino construtivista, o princípio de respeito aos ritmos e processos diferentes na diversidade de sala de aula costuma ser considerado facilmente articulado com a prática quanto menores são as crianças, pois se reconhece que ajustar as intervenções e propostas ao tempo e estilo de cada um é bastante mais possível quando há expectativas de aprendizagem mais abrangentes e menos influenciadas por parâmetros previamente definidos.

Olhando para a Educação Infantil, será que essas considerações não podem gerar uma falsa ideia de que respeitar ritmos significa não intervir, não instigar? Que deixar que cada um tenha seu próprio tempo signifique apartar crianças da experiência que marca estar em grupo, com a demanda de se corresponsabilizar (cada qual à sua maneira) pelo trabalho coletivo? E o papel da escola para que todos se sintam desafiados e possam compartilhar experiências, mesmo que de formas distintas? Assim, escolhi uma cena trivial de crianças de 5 anos que rompem com uma expectativa do grupo para analisar intervenções que respeitam ritmos e processos considerando a possibilidade de todos se comprometerem de alguma maneira com o trabalho comum.

Costumeiramente, ao término do intervalo que denominamos “Parque”, os professores chamam as crianças para organizar os brinquedos uns 5 minutos antes do fim. Os mais crescidos do pedaço (nosso G3 - 5 anos), em sua maioria, têm bastante autonomia nessa situação, não precisam tanto da ajuda dos adultos para iniciar a arrumação e costumam realizá-la de forma prazerosa, mostrando o quanto já são crescidos.

Porém, ano sim e ano também, algumas crianças precisam mais da ajuda de seu professor, pois lhes custa antecipar o término de uma brincadeira e perceber que uma mudança de proposta se aproxima. Nesse caso, o que cabe ao professor: ajudar individualmente toda vez? Deixar cada um chegar à proposta seguinte a seu próprio tempo? Pedir que outros adultos da escola pilotem o tempo dos que se demoram mais? Enfim, questões pertinentes mesmo na simplicidade da situação, pois tratam de provocar-nos a pensar que lugar queremos que ocupem nos grupos todos nossos alunos. Segue uma transcrição de um diálogo de uma turma que teve algumas crianças que não voltaram para a sala a tempo de começar uma roda de história:

Professora: Crianças, o que aconteceu? Vocês viram o quanto demoraram? Grupo 3, os colegas vão nos explicar por que chegaram atrasados para a roda de história...

Crianças (1 e 2): A gente não organizou o parque na hora, ficamos brincando… A gente não viu que acabou.

Professora: Pessoal, o que vocês acham sobre o que aconteceu?

Criança 3: Ruim, eles demoraram muito.

Criança 4: Assim eles não podem mais ouvir a história, já começou um pouquinho.

Professora: Sentem por aqui… Por que será que é ruim quando algumas crianças demoram?

Crianças: Porque perde as coisas… Fica sem saber o que vai fazer.

Professora: É verdade, eles perdem coisas que faremos, mas e para o grupo? O que vocês perderam com o fato deles terem se atrasado?

Criança 3: A gente perdeu a companhia delas.... A roda ficou apertada.

Professora: Pois é, a gente perdeu um bom comentário que a criança 1 poderia ter feito, perdemos as boas ideias que a criança 2 sempre dá nas conversas...

Criança 5: É chato quando os amigos faltam.

Professora: É mesmo, não são só as crianças que ficam de fora que perdem coisa bacanas, o grupo também perde muito. Como a gente pode fazer para que o grupo esteja sempre junto? Para que nenhuma criança mais se atrase e fique de fora de coisas que todos fazemos juntos, como a roda de história?

Criança 5: A gente pode chamar os amigos na hora de organizar...

Criança 6: É, a gente pode lembrar os amigos se eles esquecem...

Professora: Boa ideia, vocês já estão crescidos e não precisam só das professoras para lembrar o que devem fazer... A ideia de chamar os amigos é uma boa proposta... Porque, se uma criança se atrasa, é ruim para todo o grupo...

Criança 6: A gente tem que ficar junto sempre, né?

Criança 7: Senão, cada um vai fazer uma coisa: um vai pra roda, uma para a biblioteca, um para aula de música… E a gente nem se vê…

Criança 1: Eu vou chamar o amigo (referindo-se ao colega 2), ele esquece muito de parar de brincar no parque.

Singelamente, estão a pensar como podem apoiar colegas que se dispersam, que demoram mais, considerando a falta que cada um faz para que as pequenas experiências cotidianas que vivem na escola possam constituí-los como quem considera o valor da presença do outro, pois, mesmo quando o outro age de um jeito próprio, ele é esperado, o grupo é todos.

Ao ajudar uns aos outros, falam para si mesmos dos valores e expectativas que se tem quando se está na escola, aprendendo dentro de um grupo.