Escola-forte e Escola forte, algumas elucubrações

Por Susane Sarfatti

Tio Patinhas e sua caixa-forte: essa é a primeira imagem que me aparece quando ouço alguém dizer “escola-forte”. Esquisitices à parte, pergunto-me quando o uso do hífen passou a ser necessário para ligar as palavras escola e forte? Por que virou palavra composta?

tiopatinhas8Contudo, não me deterei em responder a essa questão, mas me darei o direito de devanear sobre ela. O primeiro sentimento ao ouvir essa palavra composta é de rejeição, porque me remete à necessidade de segurança máxima para se proteger do iminente ataque dos irmãos Metralhas, ao acúmulo sem qualquer fim e ao mergulho solitário na superfície dura e fria do mar de moedas. Analogamente à escola-forte, também precisaria de alta proteção dos vários possíveis ataques, acúmulos de todos os tipos e sem qualquer propósito, e buscas solitárias: quadrinhos de terror.

Um segundo sentimento surge quando me lembro da satisfação do Tio Patinhas olhando e limpando a Moeda Número 1, e identifico-me: essa sim deve ser bem cuidada, lá está a história do sujeito e, por isso, merece ser guardada. Essa é a escola forte.

A segunda imagem que me aparece quando ouço escola-forte é o homem-bombado que investe nos bíceps e tríceps, esquecendo-se das pernas, que ficam fininhas, coitadinhas.

Screen shot 2014-06-02 at 09.09.11Uma escola forte, sem hífen, precisa cuidar das bases, da história, da cultura. Parece que o marombeiro não sabe, mas a aparência é observada no conjunto, então não vale só olhar para os membros superiores, certo?

Escola forte, então, é aquela que sabe cuidar das suas bases, ensinando a cultura literária, artística, científica e histórica para seu alunado de forma que aprendam e não simplesmente memorizem, estimulando o pensamento para que não se conformem com as injustiças e se sintam aptos para resolver os problemas, valorizando as relações interpessoais e a cooperação, mas principalmente incentive o gosto pelo conhecimento e pelo desejo de aprender. Enfim, uma escola forte tem como foco o processo de humanização.

“Entendo aqui por humanização (já que tenha falado tanto nela) o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante.” 

Antonio Candido, em Direitos Humanos e Literatura

O grande professor Antonio Candido coloca o foco na importância da literatura para o processo de humanização, e quem sou eu para discordar, contudo sabemos que há outras vias de acesso tão nobres quanto a que ele cita. Para ilustrar, selecionei alguns trechos dos últimos textos do blog:

“O acesso a produções artísticas de relevância histórica não é novidade para os alunos da Escola da Vila. Além de visitas periódicas a museus, centros culturais e bienais, atividades que fazem parte do currículo do Ensino Fundamental 1, 2 e Médio, os alunos dessa escola convivem diariamente com uma coleção de arte contemporânea acessível a toda comunidade escolar”, Renata Pedrosa, em A esfera pública da arte. 

“Quem já esteve numa sala de aula repleta de jovens extasiados diante de um poema, um conto ou um trecho de romance, sabe o quanto é tocante presenciar o encontro com a beleza e o natural desejo de compartilhar o estranhamento, a emoção, enfim, a experiência estética”, Aline Evangelista Martins, em É extremamente triste estar sozinho quando se encontra a beleza.

 “Eu entrei para o grupo Vila Ativa (...) porque eu gostaria de me aprofundar no assunto discutido no grupo: o transporte. Essa discussão é bem atual e estão ocorrendo diversas mudanças que dizem respeito a ela (...) e quero entender mais sobre como funciona e se organiza o transporte em nossa cidade”, relato de Nina Ayumi, aluna do 8º ano, no texto de Rogê Carnaval em ‘Projeto Vila Ativa 2014’. 

“Durante uma sequência de estudo, os alunos resolvem vários problemas, sozinhos ou em pares, com diferentes níveis de complexidade. Apresentam estratégias, discutem ideias e são incentivados a ir além do resultado, já que os diferentes percursos para atingi-los também são objeto das discussões”, Gislaine Carvalho Rasi, em Como instigar a perseverança dos alunos na resolução de problemas de matemática.

No dia a dia da Escola Vila, presencio cenas que dariam uma bíblia de ações relacionadas à escola forte, aquelas que visam formar alunos que não neguem a reflexão, não embruteçam as emoções, não deixem de perceber os problemas da vida e sua complexidade, não tenham um único ideal de beleza e não deem risada do outro, sem perceber que no outro também está o eu, e não busquem “justiça” só para si mesmos. Dito assim, poderia parecer que já temos a Moeda Número 1 ou que nossos músculos já estão prontos para uma competição de halterofilismo, mas estamos longe disso, porque sabemos que o processo é longo e sem fim. O mundo se transforma, a escola muda: quadrinhos de suspense...