A força dos conteúdos e da organização curricular

9_06_2014

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Por Sônia Barreira

Quando se fala em escola, metodologia, ensino fraco ou forte prevalece, no mais das vezes, a ideia de que há um conjunto de conhecimentos que todas as escolas ensinam e que a maior diferença entre elas reside no método, ou seja, na forma de ensinar esses mesmos conteúdos.

Por isso, quando pais e alunos reconhecem os conteúdos tradicionais em séries supostamente “erradas” são levados a concluir que as escolas que apresentam mais cedo esses conteúdos são “mais fortes”, e as que os apresentam mais tarde são mais fracas. Creio que esta conclusão seria verdadeira se a aprendizagem fosse linear e a fila de conteúdos fosse a mesma, do mesmo comprimento... Neste caso, quem começasse antes e seguisse mais depressa, ensinaria mais (o sentido mais comum da ideia de escola-forte).

Será? O que há de errado com essas ideias? Ofereço três explicações para combater essa falsa conclusão.

Não há currículo obrigatório e todos os currículos praticados pelas escolas são escolhas baseadas em critérios igualmente distintos.

Quando uma escola baseia suas escolhas curriculares na tradição e no mercado editorial pode passar a impressão de estabilidade e garantia de que essa escolha contempla melhor as necessidades atuais e futuras do aluno. Na prática, isso não acontece. Em um mundo em mutação intensa e constante como o nosso, as decisões curriculares precisam ser dinâmicas e acompanhadas de profunda reflexão sobre os parâmetros que utiliza para seleção dos conteúdos a serem ensinados.

A força do currículo da Escola da Vila, entre outras, encontra-se nos parâmetros em que se baseia para sua seleção de conteúdos: o sentido que ele pode adquirir para o aluno num dado momento da escolaridade; a relevância do conteúdo para sua formação e para as demandas sociais; a potência do conhecimento acadêmico em si para seguir aprendendo. Desta forma, avaliamos nossa proposta curricular como muito consistente, porque os conteúdos que selecionamos fazem sentido, são estruturantes para o aluno e para sua formação, e garantem sua progressão na vida acadêmica. O modo de conceber e tratar os conteúdos é, certamente, uma das maiores forças da Escola da Vila. É sobre isso que nos debruçamos, dia a dia, em busca de maior domínio e compreensão. Esse é o cerne do nosso ofício e tema central das reflexões internas e trocas com outras Escolas no Centro de Formação.

A prova está nos depoimentos dos alunos quando voltam de suas experiências universitárias apontando a busca pelo sentido das informações, a capacidade de enfrentar novos problemas, expor ideias próprias, destreza para o trabalho com textos complexos, e autonomia intelectual como diferenciais que notam em seu desempenho.

Não é possível afirmar que os métodos são apenas formas distintas para se ensinar o mesmo. No ensino, também, forma é conteúdo.

Quando uma escola escolhe problematizar em vez de explicar para introduzir um conteúdo, isso não é apenas uma questão de forma. O conteúdo ensinado é de outra natureza. Ao problematizar você está favorecendo uma certa postura diante do ato de aprender. Está ensinando o aluno a se colocar no lugar de produtor: ter disponibilidade para percorrer seu acervo de conhecimentos em busca de novas relações, arriscar, se expor, persistir e está comunicando que pensar e refletir são ações intelectuais fundamentais para aprender, e que nem sempre ouvir e memorizar são suficientes.

Quando o professor decide que a estratégia que usará para ensinar o conceito de Estado será um debate ou uma simulação, isso não é apenas uma questão de gosto, de opinião, é uma escolha de conteúdo, porque ao fazer esta escolha ele não estará ensinando apenas o conceito de Estado, mas ensinará também as formas de estudo presentes na área, a elaboração de questões, o procedimento de pesquisa, de seleção de informações, de hierarquização, de argumentação. Por esse motivo, ele gastará mais tempo, não porque o método é mais lento, mas porque ensinará mais conteúdos!

Assim, é preciso verificar – quando analisamos o quanto o aluno está aprendendo −, a diversidade de conteúdos implicados na proposta curricular. Afinal, há muito se sabe que conteúdo e conceito não são sinônimos. É preciso ensinar procedimentos, fatos, princípios, teorias, atitudes, condutas, valores etc.  E para verificar o que o aluno está aprendendo é preciso atenção à forma como isto está sendo feito, pois a abordagem metodológica pode promover ou inibir a construção de competências essenciais para o seu desenvolvimento.

Os conteúdos não podem ser listados em ordem linear e, portanto, toda ordem em que aparecem na escola revelam valores do projeto pedagógico.

A ordem em que os conteúdos comparecem no currículo também é um aspecto determinante para se conhecer o lugar da força de cada proposta educativa.

O mais comum é encontrarmos os conteúdos empacotados em partes para serem assimilados progressivamente, passo a passo, e integralmente.  Na Vila trabalhamos com a ideia de currículo em espiral, no qual os conteúdos se conectam a outros, em contextos distintos, e voltam muitas vezes ao longo da escolaridade com maior profundidade. Quem se lembra do modo como aprendeu frações, porcentagem e números decimais sabe do que eu estou falando. Apesar de serem conteúdos estritamente relacionados, muitas vezes são ensinados como temas desconectados, enfraquecendo seu sentido.

Assim, quando escolhemos um conteúdo, há um cuidado em resgatar estudos anteriores para inseri-lo em um processo já em curso, sabendo que ele voltará tantas vezes e em contextos tão diversos que sua assimilação irá muito além da definição, da resposta na prova, e portanto, mais difícil de ser descartada facilmente, e são conhecimentos que poderão ser acessados posteriormente porque foram construídos a partir de muita atividade intelectual, não apenas pela escuta atenta, por registro, memorização.

Para nós da Escola da Vila, escola forte em conteúdo é aquela que expande a noção de conteúdo para além dos conceitos e fatos, e que entende que as escolhas na forma de ensinar não são neutras, elas têm impacto sobre o tipo e o grau de aprendizagem em curso.