A força do diálogo!

210213 ESCOLA DA VILA 207

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Por Tiago Lima, Vera Barreira, Joana Elkis e Roberta Tinoco 

É no convívio com o outro que os problemas das relações surgem. E isso é algo que vivenciamos todos os dias, em casa, no trabalho, na rua. Nas escolas, a situação é potencializada, pois convivem centenas de crianças e jovens em diferentes espaços e situações diversas (sala de aula, quadra de esportes, biblioteca, entrada e saída etc), as quais geram, inevitavelmente, inúmeros conflitos.

Na Escola da Vila, aproveitamos essas situações de conflito para o ensino de uma ferramenta fundamental para todos: o diálogo.

Dialogar não é necessariamente concordar com o outro, mas estar aberto a isso! Estar aberto a ouvir, a considerar outro ponto de vista sobre uma situação, é tentar entender em que princípios o outro se baseia quando acha algo certo ou errado, é tentar chegar a conceitos comuns para que se possa tentar resolver algo de forma justa e equilibrada, para que seja igualmente possível rever seus próprios princípios e suas ações a fim de julgar uma situação de forma mais justa.

Mas, obviamente, isso não é simples, dialogar envolve uma longa aprendizagem que, na Escola da Vila, começa desde muito cedo, na educação infantil, e segue com situações e atividades planejadas até o Ensino Médio.

Para começar, dialogar pressupõe ser capaz de se descentrar. Porque, para ouvir de fato, é preciso deixar de lado – pelo menos por um momento – seu ponto de vista, para enxergar com os olhos do outro. Quanto mais novos os alunos, mais desafiadora é essa premissa. Porque essa capacidade de deslocar o olhar requer um amadurecimento que, muitas vezes, só vem com o tempo.

Para exercitar isso, usamos alguns recursos por vezes bastante concretos, como estabelecer uma regra firme de que, numa conversa de resolução de conflito, enquanto um fala, o outro deve, necessariamente, escutar todo o relato, e, depois, invertem-se os papéis. Ouvir o ponto de vista do outro sobre a mesma situação é o desafio que se coloca e, mais que tudo, entender que as diferenças na narrativa nem sempre são “mentiras” do outro, mas sim interpretações e sensações que não são compartilhadas no momento em que vivenciaram o conflito. Aliás, esse é um desafio para muitos adultos hoje em dia!

Muitas atividades são, também, encaminhadas em sala de aula para ajudar os alunos a perceber que existem diferentes perspectivas para uma mesma situação, e que conhecê-las pode nos auxiliar a entender melhor a própria situação.

Um exemplo é uma atividade que fazemos com os alunos nas aulas de orientação educacional dos 6ºs anos, para que eles vivenciem essa situação e comecem a se dar conta de que pontos de vista diferentes constroem uma mesma realidade, mas, cada um vê e sente de uma maneira. Passamos um vídeo de 2 minutos, de uma performance do artista holandês Bas Jan Ader, chamada Broken Fallapresentada na Bienal de São Paulo, em que vemos o artista parado no meio de um caminho rodeado de árvores, com vento forte, e ele tentando se equilibrar na ventania. Metade dos alunos fica de olhos vendados, aqueles que estão assistindo precisam descrever a cena para quem não está vendo. Depois todos assistem ao vídeo e ficam muito surpresos! Abrimos a dinâmica para discussão, e cada um relata sua experiência: que cena imaginou a partir do que lhe foi apresentado e, depois de ver o vídeo, conseguem perceber ali o que foi descrito e o que não foi descrito, o que o outro deixou de mencionar e, principalmente, como imaginou algo muito diferente com o que foi narrado. Nessa atividade, vão se dando conta de que alguns aspectos chamam mais atenção pra umas pessoas do que para outras. A partir daí, passamos a pensar analogias com situações do dia a dia, conflitos que acontecem na escola e que cada um vive de um jeito. Surpreendem-se ao ver que não existe uma forma “certa” de relatar, pois cada um conta a partir de seu olhar e que o olhar é algo pessoal. Isso faz o diálogo ganhar novo sentido, pois é através dele que eu posso saber o que o outro “viu” e eu “não vi”.

Outra atividade significativa para a construção do sentido e importância do diálogo é a assembleia de classe. Ali, os alunos têm a oportunidade de trazer problemas e conflitos para serem discutidos pelo grupo. Além de discutirem atitudes inadequadas e desagradáveis, podem também tomar certa distância dos problemas concretos que estão incomodando para pensar neles a partir de princípios gerais que possam nortear a solução de conflitos particulares. Nessa situação, coloca-se um desafio maior: buscar estabelecer princípios que possam orientar nossa crítica e conduta no mundo, sem esquecer que as pessoas são muito diferentes entre si e que, portanto, esses princípios precisam incluir a relação com o diferente. Muito mais que regras de comportamento, os princípios podem nos ajudar a restabelecer o bom senso e a banir atitudes desagradáveis. Quando há regras para evitar/solucionar os mínimos conflitos, cria-se uma sociedade infantilizada. É preciso discutir as relações e os princípios morais em que a escola e a classe se pautam para que os alunos tenham autonomia na hora de atuar com o outro.

Essa reflexão se faz pertinente neste momento, tendo em vista os últimos acontecimentos na nossa sociedade ou mesmo situações que vivemos no cotidiano, no trabalho ou em casa. Em tais situações, fica evidente como o diálogo efetivo vem se tornando escasso nas nossas relações. Muitas vezes, vemo-nos em conversas que mais parecem monólogos, em que a posição do outro não é levada em conta para repensar a sua, mas sim para ser rebatida de qualquer forma,ou presenciamos conflitos que não se dissolvem com uma conversa. Enfim, por tudo isso, temos a convicção que aprender a dialogar é um conteúdo fundamental para qualquer vivência em comunidade.