Formação moral e aprendizagem coletiva

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Por Fermín Damirdjian

Ao longo de toda a escolaridade, na Escola da Vila, os alunos travam contatos que visam sensibilizar e cultivar um repertório próprio da educação moral. Nada mais necessário, mas também nada mais delicado do que essa nomenclatura, que facilmente pode ser confundida com o ensino de dogmas, preceitos moralistas ou, ainda, pode desgastar termos que já têm um uso superficial na mídia e no marketing institucional quando este visa promover uma imagem bondosa e honesta de todo tipo de corporações comerciais.

Vemos em nossa escola, nos primeiros anos do Ensino Fundamental I, um considerável montante de tempo dedicado a assembleias, discussões coletivas e outras ações que colocam em pauta, seja pelo tema seja pela própria dinâmica empregada, a consideração do âmbito coletivo. A referência permanente ao outro. Isso não se restringe a atividades específicas, mas permeia todas as atividades da rotina escolar.

Avançando mais um pouco na sequência escolar, encontramos, a partir do sexto ano, um espaço particular chamado "aula de Orientação Educacional". Mas o que significa ter um horário semanal, fixo na grade horária em meio às demais disciplinas escolares, uma matéria com esse nome? Que conteúdos se ensinam ali exatamente?

Para responder essa pergunta, utilizarei imagens de outra disciplina. Por exemplo, a matemática. Em uma aula de matemática, um professor pretende oferecer condições para que seus alunos avancem com alguns raciocínios sobre as possibilidades de resolução de um determinado problema. Se em certas ocasiões, isso é feito como lição de casa, situação na qual o aluno se vê sozinho com seu pensamento diante desse problema, em sala de aula o cenário é outro. Especialmente se esse trabalho é realizado em grupo.

Nesse caso, a situação é tal que uma boa parte do desafio consiste não apenas em que se realizem deduções matemáticas, mas também que o aluno saiba nomeá-las e expressá-las verbal e graficamente. E se temos um aluno que se propõe a explicar o que pensa falando e rabiscando no seu caderno, é porque ele está tentando convencer seus interlocutores de alguma coisa. O que necessariamente exige que estes o escutem. Mas, em uma atividade assim, os papéis variam, e por momentos aquele que explicava torna-se um ouvinte, sem necessariamente uma ordem no turno da fala - muito pelo contrário, isso costuma ocorrer com certa desordem.

O fato é que ali se exerce, junto com o desenvolvimento da linguagem matemática, também o desenvolvimento subjetivo, se considerarmos que o aluno lida com a construção do saber matemático sem se desvincular do amadurecimento de outra competência humana: a de se relacionar com seus pares. É evidente que esta descrição breve não nos permite contemplar muitas variações. Muitos dirão que se esses trabalhos em grupo não ocorrem de maneira organizada não há interlocução ou aprendizagem muito desenvolvida, por exemplo. Ou que um trabalho em grupo não tem o potencial de ser tão transformador assim.

Porém, se buscamos sempre, entre os alunos, uma forma clara e regrada de falar e de ouvir, não significa que enquanto não alcançamos esse horizonte nada acontece. Ao contrário: sempre ocorrerá algo de valioso enquanto tivermos esse objetivo – o da boa comunicação e o do respeito. Eles são tanto valores por si mesmos, quanto elementos fundamentais do trabalho coletivo. Em uma aula de matemática na qual os alunos resolvem problemas em grupo, portanto, há muita coisa em jogo, para além de qualquer aparência.

O que se propõe com assembleias nos 2ºs anos do Fundamental I, ou nas aulas de OE do Fundamental II, são oportunidades para que os alunos revejam suas ações, as características de sua turma, as possibilidades de existir coletivamente. Estas autoavaliações podem tratar de fatores que vão desde a sujeira na sala até a receptividade da turma durante as participações orais dos alunos em aulas dialogadas.

As ações que visam à sensibilização e o cultivo das noções morais dos alunos ocorrem desde o G1 até o 3º ano do Ensino Médio, dentro e fora da sala de aula. Não porque eles ajudem a estudar. Não porque sejam úteis à aprendizagem. Mas porque são parte intrínseca e inseparável desses processos.

Não há como pensar em atividade intelectual sem considerar a cultura. O conhecimento humano é conhecimento coletivo. Se ele se dá através de uma linguagem, é porque há comunicação. E a natureza da comunicação é a transmissão.

Suponhamos uma imagem hipotética de um indivíduo que busque sua mais absoluta solidão. Que crie o mais completo isolamento físico das outras pessoas. Suas ações para sobreviver sempre serão humanas, desde seus instrumentos e seu vestuário até suas deduções e suas elaborações intelectuais. Seria improvável que esse excêntrico indivíduo procurasse unicamente a sua sobrevivência orgânica, visto que grande parte dos animais e, muito particularmente, o ser humano, não se contenta apenas com isso. Seu cérebro inventa, delira, ilude-se, busca vazão para inquietudes que o impelem a especular, a criar. E tais criações estão impregnadas de cultura. Sempre. Desde as armas para caçar até a escrita ou a pintura, o exercício intelectual se ergue sobre a herança de gerações anteriores e utiliza os recursos mais elaborados de linguagem - a qual, como apontamos anteriormente, tem sua razão de ser na comunicação e na consideração do outro.

Nos últimos anos, no Ensino Médio, temos passado um filme que trata da busca de um jovem nesse isolamento absoluto. Extremamente desiludido com a instituição escolar e familiar, ele procura obcecadamente o desprendimento mais radical da cultura e dos valores de seu ambiente social. Baseado em um fato real, o filme "Na natureza selvagem" (Into the wild; Sean Penn, 2007) segue o curso do personagem adolescente que assume como único horizonte possível o isolamento nos confins do Alasca. O desfecho é profundamente revelador no que diz respeito às possibilidades que um ser humano pode ter para desprender-se da cultura.

A discussão em torno dessa trama é feita no primeiro dia de aula do Ensino Médio, e procura evocar nos alunos esse repertório que foi posto em prática durante rodas de conversa, aulas de matemática, de língua portuguesa, de orientação educacional ou pura e simplesmente no dia a dia da nossa escola: a aprendizagem e o exercício intelectual como os atos de natureza coletiva, e que merecem ser acompanhados permanentemente por espaços que permitam refletir, de forma autêntica e consistente, sobre as nossas ações.

Impalpável, porém presente, a ética permeia não apenas os nossos vínculos, mas nossa atividade intelectual e, portanto, acadêmica. É preciso conduzir o olhar dos alunos para isso, mantendo como oportunidades de reflexão ora eventuais situações individuais, ora frequentes atividades coletivas.

É a ética o que norteia as escolhas que fazemos como escola, e o melhor exemplo disso é a constituição do currículo, considerando o momento e a forma de apresentação dos diversos conteúdos escolares. A ética deve ser a pedra fundamental de uma escola séria, para muito além de procurar se encaixar na categoria de “escola-forte”, assunto sobre o qual discorreu Maria Ivone Domingues neste blog, em 26 de maio.