A força dos trabalhos dentro e fora dos muros da escola

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Alunos do Ensino Médio em ocupações do MST

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Por Angela De Crescenzo e Francisco Bodião (Chicão)

A realização de situações de ensino e aprendizagem fora dos muros da escola e além do conteúdo específico de cada disciplina é uma preocupação e um dos objetivos do projeto político-pedagógico da Escola da Vila.

As saídas para que os alunos conheçam e interajam com a cidade, parques, museus, locais históricos, bibliotecas, fazem parte e, de certa forma, complementam as atividades regulares que acontecem na escola. Geralmente, estão relacionadas à aprendizagem de conteúdos de áreas específicas, mas também são espaços que promovem aprendizagens relativas à formação do aluno enquanto estudante e como cidadão.

Questões tais como: “O que significa sociedade? Será que é possível transformar uma sociedade? Será que é possível viver fora de uma sociedade? O que é viver em sociedade? O que é política? Quais ações políticas são necessárias para transformar a sociedade? O que é o sujeito político? Qual sua atuação na sociedade? O que significa ser cidadão?”… Estão presentes no cotidiano escolar ao longo dos segmentos.

Por meio de discussões, análise de textos diversos, notícias, filmes e ações das quais os adolescentes participam – há sempre um “olhar” para a sociedade e seus mecanismos, e outro “olhar” focado na discussão das relações entre eles, os interesses e as necessidades do grupo de que participam.

Um exemplo desse “olhar” para a comunidade é o projeto Vila Ativa: “A proposta do ‘Vila Ativa’ é aliar pesquisa e ação. Esse é um grupo que aprofunda o conteúdo do curso de Política e Sociedade (PS), trabalhado e discutido nos 8º e 9º anos: “Democracia”, “O ser político” e o lugar do jovem nesse contexto. O tema escolhido para o 1º semestre de 2014 foi transporte público. Para aprofundarmos a investigação do tema, nas nossas reuniões semanais temos lido textos que ajudam nossos estudantes a compreender melhor a questão do financiamento do transporte público urbano nas cidades brasileiras.” Rogê Carnaval, professor de História

Eu entrei para o grupo do Vila Ativa pois as minhas amigas haviam falado que as
discussões eram interessantes, e porque eu gostaria de me aprofundar no assunto
discutido no grupo: o transporte. Essa discussão é bem atual e estão ocorrendo
diversas mudanças que dizem respeito a ela, então decidi entrar para o grupo e
entender mais sobre como funciona e se organiza o transporte em nossa cidade.
Nina Ayumi, aluna do 8º ano 

Uma das coisas que mais me chamou a atenção no nosso trajeto de ônibus da unidade
Butantã da Escola da Vila até a subprefeitura foi a duração do percurso [...]. E isso me
impressionou muito porque o mesmo trajeto que um trabalhador faz todo dia para chegar ao local de trabalho, de ônibus, levaria a metade do tempo se fosse percorrido por um transporte privado, ou seja, o carro.
Julianna Ochialini, aluna do 8º ano 

Escola forte é a que oportuniza uma formação integral do indivíduo! Por acreditarmos nesse pressuposto, há um grande investimento em situações dentro da escola também, como as assembleias, as rodas de convívio, as aulas de OE, Política e Sociedade.

As assembleias de classe são instrumentos potentes para a discussão de temas da comunidade escolar. Os alunos têm a oportunidade de debater assuntos que lhes dizem respeito enquanto grupo, aprendendo, assim, o que  é possível discutir, de que forma, exercitando o “olhar” para o outro, para os interesses da classe ou série, além do próprio. Um dos objetivos desses momentos é também provocar uma metarreflexão sobre o sentido da assembleia com o objetivo de analisá-la, de pensar que tipo de espaço é este, para que ele existe, que paralelo podemos fazer com a nossa sociedade.

Apostar, incentivar e colaborar com a organização e participação autônoma e coletiva dos adolescentes é outra meta permanente. À medida que crescem, querem arriscar mais, sentem-se preparados e prontos para dividir ou assumir responsabilidades, estão mais críticos e querem ser reconhecidos por suas conquistas. Mas também têm mais dúvidas, preocupações, descontentamentos, conflitos que vão se acumular em relação a casa, escola e sociedade. A construção da identidade se faz, também, com o outro, assumindo posições, debatendo, negociando, cedendo.

O espaço democrático, garantido pela livre-expressão, pelo debate consciente, pela identificação e solução dos conflitos, só é possível com a participação e o protagonismo dos adolescentes.

Garantir que os alunos se representem através do grêmio e da organização das comissões de formatura, ou de qualquer outra iniciativa, é outra escolha importante do projeto pedagógico.

Os alunos mais velhos também desenvolvem ações em parceria com organizações e comunidades no entorno das nossas unidades. Participam das Conferências Regionais de Defesa dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, e também estão ajudando os alunos da rede municipal a constituir grêmios em suas escolas, na região administrativa da Subprefeitura do Butantã.

Além dessas ações, “Durante o primeiro ano visitam ocupações dos Movimentos dos Trabalhadores sem Teto no centro de São Paulo, com um olhar contextualizado pelo curso de ciências humanas, que trata do tema ‘Cidades’ em suas diversas disciplinas. Já no segundo ano, a viagem opcional para assentamentos do MST no interior de São Paulo possibilita identificar trajetórias pessoais distintas, que se aglutinam na militância por um movimento amplo, controverso e provocador.” Fermin Damirdjian - orientador educacional dos 1ºs anos do EM.

 Trechos do depoimento de dois alunos nos dão a dimensão do que foi esta viagem:

“Quando subi naquele ônibus, às sete horas da manhã, eu não imaginava o quão importante seria aquela partida do motor; a travessia da fronteira do mundo imaginário para o mundo real. Sim, imaginário é uma boa palavra para descrever o mundo em que nós, alunos da Escola da Vila, vivemos. Imaginário no sentido de um mundo protegido, cercados de novas tecnologias, lançamentos do mercado, fofocas sobre a vida dos outros e boatos. Não que isso seja errado, só estamos fazendo o que está resignado para jovens da classe a que pertencemos, e foi nesse sentido que a viagem ao MST nos tocou.”
Ian Aurichio

“Resumir a experiência da viagem do MST é coisa para poucos e peço perdão, desde já, por minhas palavras imprecisas e abstratas. No entanto, deparar-nos com vidas tão distantes – e, ao mesmo tempo, tão próximas – das nossas nos faz pensar sobre a situação das coisas; assim, no geral mesmo. Na situação do mundo. Consequentemente, faz com que pensemos em nós mesmos – na nossa condição, nas nossas angústias e inseguranças, nos nossos medos. Os momentos de introspecção, para mim, foram os mais importantes dessa viagem. Nessas raras (no sentido de preciosas, não de pouco frequentes) ocasiões, senti-me imersa numa atmosfera surreal que, agora, parece permear todas as minhas lembranças desses últimos três dias. Essa viagem é feita de contradições. A contradição entre o ambiente e o espírito de assentados e, principalmente, acampados; a contradição entre a proximidade e a distância que separam as questões daquelas pessoas e as nossas próprias questões, internas; a contradição entre a conquista do solo e a persistência de problemas que estão para além de cinco alqueires de terra. O ritmo do campo dita o ritmo do trabalho e a brusca brecha na nossa realidade urbana e corrida é sentida violentamente por nossos corpos e mentes. O grupo, diante de situações excepcionais, se uniu de modo impressionante – a cumplicidade entre alunos (e professores) atingiu níveis inimagináveis.”
Mariana Queiroz

Todo esse trabalho, dentro e fora dos muros da escola, visa a contribuir para a formação de cidadãos conscientes da importância de seu papel na sociedade, e que atuem de forma ativa para a construção de uma sociedade mais justa para todos.