Formação científica na Escola da Vila

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GIC - Grupo de Investigação Científica da Escola da Vila

Por Celina Mello e Alex Coelho

Na nossa imagem de mundo ecoam, mais ou menos explicitamente, a Teoria da Evolução das Espécies, a teoria do Big Bang, o modelo cinético-molecular, o princípio da inércia, enfim, diversas teorias, princípios, modelos e conceitos que, em conjunto, chamamos de ciência, e que nos permitem pensar para além da aparência imediata dos fenômenos. Além disso, a dependência universal dos resultados da ciência - a aplicação técnica da ciência materializada em máquinas, aparelhos e instrumentos - faz com que, mais do que condicionar nossa imagem de mundo, a ciência, em boa medida, influencia a maneira como agimos, a maneira como lidamos com as coisas e com os homens.

A ciência é uma marca da modernidade, e, por isso, a importância de seu ensino na escola básica. No entanto, entender o sentido do ensino das ciências não é algo trivial. Para além da complexidade das teorias e modelos, do caráter abstrato dos conceitos, da quase onipresença da matemática, do caráter disciplinar das áreas de pesquisa, a escola precisa dialogar (ou seja, reconhecer e transformar) com vários estereótipos a respeito da ciência, estereótipos que, mesmo não sendo de todo descabidos, reforçam uma imagem simplista e unilateral da natureza do conhecimento e da forma como o conhecimento é construído.

Aprender ciência na escola não é o mesmo que produzir conhecimento nas universidades e centros de pesquisa, e, portanto, a qualidade do ensino das ciências não pode ser medida pelo quanto mimetiza a produção de conhecimento dos seus locais de origem. Um ensino realmente forte é aquele que favorece o desenvolvimento de algumas competências típicas dessa área do conhecimento.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, que são, em sua essência, o referencial de qualidade para a educação,

“Em Ciências Naturais, são procedimentos fundamentais aqueles que permitem a busca, a comunicação e o debate de fatos e ideias. São diferentes procedimentos: a observação, a experimentação, a comparação, o estabelecimento de relações entre fatos ou fenômenos e ideias, a leitura e a escrita de textos informativos, a elaboração de questões para enquete, a organização de informações por meio de desenhos, tabelas, gráficos, esquemas e textos, a proposição de suposições, o confronto entre suposições e entre elas e os dados obtidos por investigação, a proposição e a solução de problemas.”

Um ensino forte é um ensino em que a atividade intelectual do aluno não é trivial, é um ensino que exige reflexão, atenção aos caprichos do objeto de estudo; empenho, preparo e confiança para superar o aparente abismo entre o desconhecimento e o conhecimento; um ensino em que ciência se transforma em cultura, incorpora-se à formação do futuro adulto. Esse é o norte que nós, professores de Ciências Naturais da Escola da Vila, utilizamos para orientar nossa atividade docente.

Convidamos todos a entrar em uma aula de ciências, através da síntese de uma aluna do 8º ano. A discussão relatada serviu para iniciar os estudos sobre o tema da digestão.

“A primeira pergunta foi sobre o conceito de digestão, o que exatamente significa “digerir um alimento”? Essa foi uma das questões mais debatidas, pois não sabíamos exatamente o que acontecia com o alimento: se era absorvido, sendo que parte era retirada e parte permanecia, para depois ser eliminada; ou se todo o alimento era separado em partículas menores, sendo que parte vai para o sangue e parte é eliminada pelas fezes; ou se o nosso organismo absorve tudo o que é pequeno o suficiente, e não só os nutrientes. Mas, em compensação, todos concordamos, sem discussão, que, ao digerir um alimento, o estamos transformando. Só não soubemos dizer se essa é uma transformação química ou física. (...)”

O que, aos nossos olhos, aconteceu nessa discussão? Conhecimentos antigos são acionados, uma vez que o tema já foi estudado no 5º ano, articulados com conhecimentos mais recentes, como as ideias sobre estrutura da matéria e transformações, do sexto ano, e postos em dúvida pelo contraste de hipóteses trazidas à tona e gerando novas questões, que serão investigadas nas aulas seguintes, com leituras de textos e realização de experimentos.

Essas ideias iniciais não são vistas simplesmente como uma lista de possíveis erros e acertos, pelo contrário, são a matéria-prima do trabalho intelectual que será/está sendo realizado pelos alunos. Eles terão que negociar significados para os termos usados, perceber que, para um mesmo fato, cabem diferentes explicações, reconhecer a variedade de percursos investigativos possíveis e, em vários casos, poderão desenvolver uma proposta experimental.

E quando os resultados experimentais não condizem com as previsões que os alunos formularam inicialmente? O que estaria errado? Algo no experimento ou algo na hipótese? Para decidir, os alunos discutem, utilizam raciocínios matemáticos, registram pensamentos, avaliam criticamente o experimento, buscam explicações, de forma bastante autônoma. Eles contrastam suas ideias com os resultados obtidos, usam novas informações e reconsideram seus pontos de vista, escrevendo, lendo, debatendo, organizando dados, enfim, comunicando-se na lógica existente na cultura científica.

Nesse percurso árduo e instigante, nossos alunos aprendem ciência, apropriando-se de novos conhecimentos e também aprendem sobre a ciência, desenvolvendo habilidades essenciais à atividade científica e uma forma de pensar crítica e essencial ao mundo contemporâneo.