Férias

Open book in hammock on beach

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Por Fermín Damirdjian

Por esta época, as escolas dão aos alunos as diretrizes dos trabalhos escolares a serem feitos nas férias. Algo como um ou dois livros a serem lidos e algum filme para assistir, no caso do Ensino Médio da Escola da Vila. Para alguns casos específicos, seria uma oportunidade para o aluno retomar conteúdos que não puderam ser bem assimilados por ele na correria dos dias letivos. Sabemos que a escola tem um ritmo próprio que, por mais que os educadores se disponham a fazer algumas adaptações, há um calendário que avança, inexorável como qualquer medida de tempo. Há alunos para os quais essa medida atropela suas possibilidades de aprendizagem, que existem, mas que requerem uma situação menos frenética para serem desenvolvidas.

De um jeito ou de outro, vemos os rostos dos alunos se desfigurando em expressões de desagrado, em queixas de excesso de conteúdo, de falta de sossego e de tempo para o ócio. Não raro os pais também manifestam seu desconforto, especialmente quando as atividades para as férias atravessam a oportunidade do lazer em família, arduamente conquistada entre os longos períodos de tensão profissional.

Se as férias são férias, por que diabos a escola invade esse precioso tempo com leituras e tarefas? De fato, a escola não é obrigada a fazer uso desse período. É mesmo uma opção. E o que se leva em conta para seguir esse caminho são muitos fatores.

Em primeiro lugar, no Ensino Médio, contamos com o fôlego dos nossos alunos. E isso é algo que costuma espantar os pais de primeira viagem com seus filhos no 1º ano desse segmento, já na mudança de ritmo e da grade de matérias que passarão a fazer parte da rotina dos filhos. Mas logo veem e se surpreendem que eles respondem, em geral, de forma positiva à profundidade e à diversidade desses conteúdos. Não raro no primeiro trimestre, alguns se queixam de ver o filho estudando até a madrugada para uma prova do dia seguinte. É mais do que óbio que não medimos o grau de eficácia didática pelas olheiras dos nossos alunos. Mas dentre as exigências está o aprendizado sobre os procedimentos de estudo e o aprimoramento de sua postura de estudante como elementos a serem conquistados, de forma a antecipar e a organizar seus afazeres. Ainda assim, é claro que em algumas épocas os estudos podem invadir as horas de sono.

Por outro lado, a exigência dos alunos por férias plenas pode ser vista como uma reivindicação básica nesse caldeirão de contradições que caracteriza essa fase da vida: uma negociação árdua e extenuante, no dia a dia escolar e familiar, daquilo que querem preservar da infância, tal como o conforto e a distensão, e o que querem ganhar da vida adulta que se espreita no horizonte, como a independência supostamente ampla e irrestrita.

Mas cabe-nos olhar mais detalhadamente as coisas se quisermos sair do senso comum e se pretendemos levantar elementos que nos ajudem a lidar com aqueles que pretendemos educar. E se há algo que pode caracterizar nosso papel é a tensão que caracteriza a prática educativa e que pode variar de figura e de intensidade no convívio com aqueles que educamos, sejam filhos ou alunos, mas que nunca cessa.

Tanto na escola como na família, há momentos de carinho, de comunhão, de troca com esses adultos, sem dúvida alguma. No caso da família, as férias são a oportunidade de ter algumas dessas vivências com maior frequência do que no dia a dia. Mas em todos os casos, é preciso considerar que há uma luz que nunca se apaga completamente. É como a chama-piloto dos antigos aquecedores a gás, que mantinha o aparelho aceso, pronto para ferver a água do encanamento, em qualquer momento do dia ou da noite, ao longo de toda a sua existência. E talvez seja isso o que mais desgasta no papel daquele que educa: o fato de nunca desligarmos totalmente. Por mais que nos propusermos a isso, estar dentro de um cinema ou levantar o jornal e deixar-se absorver por notícias banais já é uma opção. E, como toda opção, carrega em si a responsabilidade da escolha.

Os lares dos anos 70 tinham em casa uma caixa mágica chamada TV em cores, na época acusada de paralisar a infância diante de sua luz animada. Aquelas crianças, que hoje são pais, veem-se diante de muitos outros recursos que anestesiam a tensão da educação. E, como toda anestesia, consistem num mero disfarce de alguma dor ou tensão.

Outros, mais radicais, poderiam apontar para a abundância de entorpecentes, tão diversificados e com poder de ação mais intensificados, que circulam pelo mercado legal ou ilegal, na mesma proporção do aumento dos canais de TV nas últimas décadas. E, com eles, a promoção permanente dos prazeres e limites que devem ser extrapolados, com urgência, como referência de realização pessoal.

Não raro os adultos se queixam do imediatismo dos jovens que se assustam diante de uma lição de casa ou da obrigação de estudar. Alguns alunos nem sequer se assustam, mas apenas não compreendem por onde devem começar, pois há um sentido de dever que não foi lá muito desenvolvido. Para além de pensar em um mundo fartamente irrigado com drogas e gadgets, é preciso pensar que estes últimos compõem o dia a dia familiar pelas mãos dos próprios adultos.

Como já foi dito, a tensão da chama-piloto pesa, e muito, para esses adultos. Por isso a anestesia não é só opção de crianças e adolescentes. Ela cumpre um papel de distensão na medida em que, uma vez tendo as crianças hipnotizadas diante de um tablet, os adultos conseguem ler jornal, conversar, lavar a louça, trabalhar ou relaxar.

Pouco se considera o tempo do final de semana para ajudar a família a fazer algumas das tarefas realizadas apenas por adultos. Um adolescente arrumando a cama, descarregando as compras do supermercado do carro, ajudando o pai no trabalho ou trocando uma lâmpada são imagens que parecem ser de um país muito distante, especialmente se comparadas à vida diária da classe média paulistana.

Isso para não falarmos em aproveitar as férias para fazer um trabalho voluntário, um estágio ou alguma coisa que, minimamente, ou mesmo simbolicamente, procure retribuir as oportunidades oferecidas pela família e, por que não, pela sociedade. O filme Supersize me (2004) concentra-se no aumento do consumo mínimo do McDonald's ao longo dos anos, mas seria muito obtuso reduzi-lo a isso e não pensar em um mundo que elevou a níveis para lá de insalubres os padrões mínimos de consumo e lazer. E é claro que não falamos apenas de saúde física, mas principalmente de saúde mental e "cultural".

A pergunta que fica não é porque os alunos e os filhos se espantam com um dever a ser realizado nas férias, seja ele escolar, doméstico ou do mundo laboral. O que sim devemos olhar é por que oferecemos tão pouco, quando temos a ilusão de fornecer muito.

É evidente o bem que pode fazer a uma família descansar, e descansar junto. Mas não podemos nos iludir de que nesse momento não há educação, não há papéis. Ao contrário, os papéis nunca cessam. O tempo de distensão e os meios para fazê-lo são sempre escolhas que compõem a educação do filho. É preciso entender que, depois de uma refeição, algo ou alguém lava aquela louça. Pode-se dormir até tarde se for essa a opção, mas algo, em algum momento, deve evitar escamotear a regra mais básica de qualquer forma de vida: até o Animal Planet ensina que não existe almoço grátis, nem na savana africana, nem em nossa confortável paisagem doméstica.

Isso não significa exercer o sadismo para mostrar como a vida é dura, de forma alguma. Mas apenas acreditar que eles podem, ao longo de 30 alegres dias, em Paris, em Boiçucanga ou na Vila Gomes, ler um ou dois livros e fazer uma lista de exercícios.

Não se trata de apontar as falhas deles, mas de nos olharmos no espelho e observar nossas opções cotidianas. É o sentido de dever que parece estar enfraquecido, junto com a capacidade dos adultos para suportar a tensão de seu papel.