Por que propor a realização de portfólios no Ensino Médio?

Portfolio Formulario (3)

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Por Susane Sarfatti

No conto “A menina sem palavra”, o autor Mia Couto escreve “A menina não palavreava. Nenhuma vogal lhe saía, seus lábios se ocupavam só em sons que não somavam dois nem quatro. Era uma língua só dela... por muito que se aplicassem, os pais não conseguiam percepção da menina. Quando lembrava as palavras ela esquecia o pensamento... Não é que fosse muda. Falava em língua que nem há nessa atual humanidade”.  

O pai implorava que falasse e um dia a menina disse “mar”. Mas, calou-se de novo. O pai desesperado teve a ideia de levá-la ao mar. Se aquela palavra era a única que a filha conseguia pronunciar devia ser associada a uma imagem, a do próprio mar. Levou a filha. O pai pensou que a imagem poderia se juntar a palavra, e outras surgiriam. Mas, a menina ficou imóvel diante do mar. Calada. O pai mais aflito. “Foi quando lhe ocorreu: sua filha só podia ser salva por uma história”. 

O pai tinha razão: foi com o desenrolar de uma história que a menina conseguiu ordenar sua própria vida. Em determinado momento da narrativa que criou o pai perde a voz, não sabe mais como continuar e é nesse silêncio que a menina aparece. “Viu pai? Eu acabei a sua história!”. Ela, enfim, consegue expressar sua existência, afinal sem história somos seres inanimados, sem vida.

Dos acontecimentos cotidianos aos momentos mais significativos, tudo deixa marcas em nossa vida. São as lembranças que ajudam o ser humano a definir seu lugar no mundo, pois é a memória que permite ao sujeito dar sentido ao seu estar no mundo e a construir sua própria história.

Nossos alunos passam 200 dias do ano, pelo menos ¼ de cada dia, na Escola. Portanto, são muitas as marcas relacionadas à vida escolar. Podemos afirmar que parte da formação de identidade de cada aluno está relacionada com sua história escolar. Ao mesmo tempo, a passagem desses alunos pela escola constrói a identidade da própria instituição. 

Como podemos ajudar nossos alunos a serem mais autores de sua história escolar? Quais instrumentos são utilizados para registrar essas memórias de forma que reflitam sobre o próprio processo de aprendizagem?

A construção de um portfólio no decorrer do Ensino Médio visa tornar os alunos mais autores de sua história. Mas vale dizer que há outras tantas ações que contribuem para o mesmo fim: assembleias de classes, discussões sobre análise das notas e perfil da turma, conversas individuais com a orientação educacional, autoavaliações...

Sabemos que um dos objetivos máximos do trabalho educacional e pedagógico que almejamos é que nossos alunos tenham autonomia intelectual, para que não fiquem à mercê de pensamentos e ações autoritárias e manipuladoras, “não se enquadrem no coletivo cegamente, não façam de si meros objetos materiais anulando-se como sujeitos dotados de motivação própria” (Adorno 2003), não promovam a barbárie.

Partindo então do pressuposto de que uma das finalidades máximas da educação é a construção da autonomia moral e intelectual, a ação de refletir sobre o processo de aprendizagem é inevitável. Assim, a reflexão dos alunos pode se dar de forma oral e muitas vezes é suficiente, mas, em alguns momentos, é importante que seja através da escrita que traz a possibilidade de organizar melhor o pensamento, acarretando uma reflexão mais profunda. A construção do portfólio oportuniza resgatar a memória, não puramente evocar as lembranças, mas representá-las, pensar e dar sentido a elas.

Os professores de cada área de conhecimento fazem propostas de atividades para o portfólio, e os alunos criam os seus portfólios virtuais a partir de um tutorial para a construção do site:

29_10_2014

Nosso maior objetivo é que os alunos sintam-se mais donos de seus processos de aprendizagem com a elaboração dos portfólios, e tenham a si próprios como interlocutores centrais. Idealizamos que esse instrumento possa ajudá-los a construírem um pensamento crítico em relação ao próprio processo acadêmico na medida em que registram suas memórias, possibilitando uma projeção para o futuro de uma vida escolar mais consistente.