Você acha que devo trocar minha pílula anticoncepcional? *

10_4_2015

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Por Susane Sarfatti

Uma aluna entra em minha sala durante o recreio, senta na cadeira e me pergunta: “Você acha que devo trocar minha pílula anticoncepcional?”.

A minha primeira ideia seria responder que pouco sei sobre o assunto, assumir minha ignorância. Orientar que procurasse um ginecologista, conversasse com a mãe... Enfim, me safar da saia justa de conversar sobre uma seara em que não tenho domínio ou formação.

Sem dúvida, ela sabia que não sou especialista no assunto, portanto, ela não esperava uma resposta médica e sim uma conversa educacional. E foi isso que aconteceu...

Desse simples encontro, é possível analisar alguns aspectos interessantes: a liberdade dos alunos entrarem na sala da coordenação e da orientação educacional; o conteúdo da conversa e o papel da escola em assuntos não escolares.

No livro “Amor líquido”, o sociólogo Zygmunt Baumann aponta como uma das características da modernidade a superficialidade, a frouxidão e a leveza nas relações interpessoais, criando vínculos líquidos. Ele afirma: “No líquido cenário da vida moderna, os relacionamentos talvez sejam os representantes mais comuns, agudos, perturbadores e profundamente sentidos da ambivalência”.

Apesar de estarmos todos imersos nesse contexto moderno, percebemos na relação com os alunos a busca por laços, por relações consistentes. Eles nos procuram para compartilhar ideias, aflições, conflitos, apresentando-os com vigor, energia, sustança seus conteúdos escolares e não escolares.

A escola não é uma instituição estagnada, está sujeita aos impactos e às mudanças do mundo, não sendo possível que os sistemas educativos deixem de acompanhar as novas realidades sociais, políticas e econômicas. No nível dos conteúdos, não se trata mais de ensinar somente fatos acumulados pela humanidade, é preciso valorizar a aquisição de atitudes e procedimentos, estratégias de pensamentos e ferramentas intelectuais que possibilitem os alunos lerem o mundo. Em relação à autoridade, não é possível fugir (e nem desejável) da assimetria entre alunos e adultos, mas a hierarquia não deve ser um fator que impeça os alunos de conversarem sobre os mais diferentes assuntos. Valorizamos muito a liberdade que os alunos sentem para entrar em nossas salas, sentar e trazer questões, dúvidas e certezas.

O “ser” aluno não está desvinculado do “ser” adolescente, filho, namorado(a). Por essa razão, as conversas entre alunos e educadores versam sobre amplos horizontes, por mais que tenhamos o foco no “eu estudante”. Vamos da análise de notas trimestrais à multiculturalidade da sociedade, do choro pela nota baixa em uma prova à discussão sobre desenvolvimento ambiental sustentável, da dificuldade em alguma matéria à igualdade de gênero, de regras escolares à educação sexual, da escolha da vida acadêmica às paixões e festas. A vida cotidiana está entremeada com a vida escolar, ou seja, tudo que caracteriza o mundo atual e a vida dos jovens não está dissociado da vida escolar.

A compreensão dessa associação é um novo desafio dos sistemas educativos, em que não só precisamos aceitar as demandas dos alunos, como também incentivamos que nos procurem. É verdade que torcemos para que os assuntos que os alunos tragam não sejam muito cabeludos, porque apesar da diferença de idade, de experiência e de conhecimentos ainda assim temos incertezas,  inseguranças e desconhecimento.

*Os exemplos são ficção, qualquer semelhança com fatos ou situações da vida real é mera coincidência.