O eterno retorno

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Blecaute” (de Davey Anderson/2014)

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Por Tuna Serzedello

"Posso participar da aula hoje? Me deu uma saudade!"

Uma das coisas mais gostosas e gratificantes desses meus 8 anos de teatro (já!) na Escola da Vila é esse retorno dos ex-alunos à escola.

Os universitários, hoje na USP, UNESP, UNICAMP, ou mesmo no cursinho, são presença obrigatória nas aulas – e não é só logo depois que se formam no Ensino Médio. Anos mais tarde, vêm frequentar aulas, assistir às peças dos alunos atuais, pedir textos emprestados, ajuda em trabalhos universitários, entre outras coisas.

É uma honra ver que o vínculo estabelecido com eles se transforma e continua florescendo.  É uma volta ao lar. Ao conforto. Ao lugar da segurança. E, ao mesmo tempo, uma inveja saudável daqueles que estão passando por aquilo que eles passaram.

Com eles, voltam histórias, lembranças, risadas, piadas internas e muito orgulho de ver como eles amadureceram, mudaram a voz, trocaram de casca, mas mantêm o mesmo olhar que só o afeto construído por tantas aulas percebe intacto. E, além disso, conto com o auxílio luxuoso da ex-aluna Luiza Zaidan, hoje coautora dessa história.

Como o teatro tem o poder de unir pessoas tão diferentes em torno de um mesmo objetivo e construir bonitas amizades ao seu redor?

Acho que é porque o trabalho realizado desloca os jovens da zona de conforto e das amizades pré-estabelecidas e os convoca a ser mais. A combinação das diferentes características humanas é a fortaleza de cada grupo. E nunca tivemos (nem teremos) grupos iguais, homogêneos, de pessoas com as mesmas características (que bom!). É nessa heterogeneidade de humores, amores e quereres que podemos, juntos, nos desenvolver mutuamente.

Um grupo de teatro só tem razão de existir enquanto há conflito. Teatro não existe sem conflito. Drama! E é justamente isso o que não falta quando colocamos numa mesma sala mais de 30 jovens e adolescentes. Meu papel não é eliminar os conflitos, mas tentar fazer com que aprendamos com eles e os usemos como pilares para o nosso desenvolvimento humano e expressivo. São eles: teoria e história do teatro, jogos dramáticos, experimentos cênicos, exercícios de interpretação e, é claro, muitas risadas.

Seres únicos, em um encontro único, só podem criar algo único para quem tem a alegria de assistir a esses jovens em cena. E, assim, com tanta intensidade, descobertas e conflitos, é claro que dá saudade de voltar para ter a certeza de que éramos felizes (e sabíamos disso)! Só não poderíamos imaginar que passaria tão rápido.

Parabéns Escola da Vila pelos seus 35 anos, e obrigado a todos os que fizeram teatro por aqui. Vocês fizeram os meus anos aqui voarem, embora os meus cabelos brancos não me deixem esquecer de que eles passaram. Voltem sempre! A casa é de vocês.


Saudades de cada turma. De cada peça. Desde o início do meu trabalho na Escola da Vila, já passamos por várias apresentações em Festivais de Poesia, Vila Literária (dando vida aos textos dos alunos do fundamental), Viladas, Saraus, festivais fora da escola, saídas culturais, ensaios fora de hora, oficinas, e montamos, “oficialmente”, as peças:

Eu quero uma para viver” (criação coletiva/2008);

A Máquina” (de Adriana Falcão/2009);

Fez-se de Triste” (colagem de poemas de Vinicius de Moraes/2009);

Deve ser uma coisa maravilhosa” (colagem textos realistas/2010);

 “Um Macbeth” (de William Shakespeare/2011);

Uma peça por outra” (de Jean Tardieu/2012);

Senhora dos Afogados” (Nelson Rodrigues/2012);

Mambembe Antropofágico” (colagem textos brasileiros/2013) ;

Blecaute” (de Davey Anderson/2014);

Revolução das Mulheres” (de Aristófanes/2014);

O Jardineiro é Godot e as árveres somos nozes” (colagem textos teatro do absurdo/2014).

Para além das lembranças, termino esse texto de memórias falando do futuro, com uma citação da peça “O Primeiro Voo de Ícaro” de Luís Alberto de Abreu:

“Está tudo por fazer

Caminho e caminhada

Partir, sempre partir

Exista ou não estrada.

Aonde for a luz da lua

Também nós podemos ir!”