Ensinar a escrever: desafio e necessidade

2_3_2016

-

Por Angela Kim

- Não continuas a escrever?
- Isto que faço não é escrever, doutor. Estou, sim, a viver. Tenho este pedaço de vida – disse, apontando um novo caderninho – quase a meio.
Mia Couto ¹

O texto escrito está em toda parte, e muitas coisas não poderiam existir no mundo atual sem ele. Ainda assim, são poucas as pessoas que se sentem à vontade diante da tarefa de escrever um texto e dá-lo à leitura.

A etimologia da palavra (em grego, gráfein, em latim, scribere) remete à origem física da ação de escrever. Nas línguas semíticas, a raiz da palavra também está relacionada aos verbos "escavar" e "cortar" (cataf e lectof, do hebraico, têm a mesma raiz de "escrever") ².

A escrita faz marcas. No escritor e em seus leitores. Longe de ser apenas uma codificação das palavras, é certo que a escrita modifica o pensamento e ajuda a construir explicações sobre o mundo e sobre nós mesmos.

Segundo Vygotsky ³, o pensamento verbal tem suas origens na interação social. Se, por um lado, o desenvolvimento inicial da fala não demanda uma intervenção específica, por outro, a aprendizagem da escrita é mais complexa. As dificuldades que surgem durante o processo de composição escrita é que permitem ativar os conhecimentos necessários e ampliá-los. Aprende-se a escrever, portanto, escrevendo.

Ora, escrever não é verbo intransitivo. Escrevemos algo, para alguém, com um objetivo. Apresentar o texto em sua complexidade e dentro de uma situação comunicativa genuína é essencial para o recrutamento dos recursos internos necessários para produzir um texto. Por isso, é importante que os alunos tenham contato com diferentes gêneros textuais ao longo de sua escolaridade, e que seus textos circulem entre diferentes leitores.

No entanto, se é necessário escrever para aprender a escrever, não é suficiente. Revisar, além de ser uma prática social, é uma situação privilegiada para a reflexão sobre a língua e para o desenvolvimento da autorregulação da aprendizagem.

O desenvolvimento das ciências da linguagem, da psicologia da educação e da didática tem revelado o quão complexo é o processo da escrita, bem como sua aprendizagem e seu ensino. Dentre as inúmeras condições necessárias para a aprendizagem da escrita, eu destacaria algumas, a meu ver, essenciais:

1. engajamento do aprendiz;

2. tempo para a escrita;

3. olhar respeitoso do outro;

4. ênfase em situações favoráveis ao reconhecimento dos textos canônicos;

5. incentivo à criação, à transgressão e à expressão de si.

Esta é uma tarefa primordial da escola: oferecer aos alunos um ambiente favorável para a apropriação da palavra, para a expressão de suas ideias, e para que possam fazê-lo cada vez melhor.


¹ “O menino que escrevia versos”. O fio das missangasSão Paulo: Companhia das Letras, 2009.

² Coulmas, 1989, p. 19 apud TEBEROSKY, A.; TOLCHINSKY, L. Além da alfabetização. São Paulo: Ática, 2006.

³ Psicólogo bielo-russo (1896-1934) que estudou a relação entre desenvolvimento intelectual e relações sociais. De seus estudos originou-se a corrente pedagógica socioconstrutivista ou sociointeracionista.