A complexa tarefa de fazer (novos) amigos no início do F2

6_4_2016

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Por Roberta Tinoco Pinto Ferraz

A chegada ao Fundamental II é marcada por grandes mudanças na vida de nossos alunos: mais matérias, mais professores, mais lições, novas salas, novos colegas... Não é tarefa fácil conseguir lidar com tudo isso! Além de precisarem dar conta da parte dos estudos, estão crescendo; e o crescer envolve muitas transformações, tanto físicas como emocionais.

Uma forte marca desse momento da vida deles é o modo como vão entendendo as amizades e como há mudanças significativas no seu mundo interno. Nós, adultos, já passamos por isso, e, muitas vezes, quando nos deparamos com o sofrimento deles, esquecemo-nos de que não é algo tão simples com que lidar.

O sentimento de amizade muda conforme vamos amadurecendo, e, para as crianças terem e saberem lidar com essa nova perspectiva do que é ter e ser um amigo, do que é pertencer a um grupo, é sempre algo carregado de muitas emoções. Todos, nessa faixa etária, estão buscando por um lugar social, e o caminho que cada um vai percorrer para essa construção é singular, pois cada um é um, cheio de particularidades. Mas, em algum momento, todos vão se sentir tristes, ou sozinhos, ou perdidos, e temos que saber como ampará-los, encorajá-los, entender o que trazem, ajudá-los a ver de maneira mais ampla esses conflitos internos e lembrá-los de que tudo passa, e que todos encontrarão seu lugar.

Quando pequenos, as crianças entendem como amigo aquele que está sempre junto, que senta ao seu lado, que compartilha dos mesmos momentos, que divide o brinquedo, que entra numa brincadeira, independente de conhecer profundamente o outro ou não, pensam que “se está ali comigo, logo, já é meu amigo”.

A partir dos 11, 12 anos, as crianças começam, segundo Piaget, a criar uma moral autônoma, começam a olhar o mundo a partir de valores já constituídos por eles, não mais a partir de regras e valores impostos; já são capazes de começar a parar e a refletir sobre as situações. No mundo interno deles, isso também está mudando, momento em que começam a perceber que o que sentem, se não compartilhado,  não tem como ser adivinhado pelo outro, o que impacta nas relações e nas construções de amizades. “Como aquele que se dizia meu melhor amigo está tomando lanche com outro e não sabe que estou triste com isso? Acho que não se importa mais comigo”.

Questões dessa natureza vão aparecendo... Todos estão experimentando se aproximar e conhecer outros colegas, outros grupos, e, muitas vezes, isso gera sofrimento, pois as crianças ainda acham que o outro deve saber como se sentem quando não são convocadas para algo de que gostariam, por exemplo. E, assim, o sentimento de solidão em algum momento vai aparecer. Mas é bom lembrar que, na verdade, não estão sozinhos, estão se sentindo sozinhos em determinadas situações, muitas vezes em situações bem sutis: ou um olhar que procurou e não lhe foi retribuído; ou uma expectativa que tinha sobre o outro e não se deu da forma como desejou; ou porque se afastou daquele que era “seu amigo inseparável” e está tendo que se virar e aprender a se mostrar para outros, a se aproximar de outros...

O amigo deixa de ser aquele companheiro que estava sempre junto, brincando e ajudando. A amizade começa a ganhar proporções mais profundas, que envolvem compartilhar dos mesmos gostos, das mesmas opiniões, dos mesmos valores; agregam afeto, interesse, respeito, generosidade, cuidado, sentimentos ainda complexos para eles conseguirem administrar, por serem emoções que geram outras, como a tristeza, a mágoa, a confiança e a desconfiança, a justiça e a injustiça, o ciúme. Por isso, é um momento de muitos conflitos interpessoais.

Crianças que no Fundamental I eram inseparáveis podem se distanciar no Fundamental II, porque os interesses mudam e, consequentemente, as amizades mudam junto, e nem sempre isso é tão claro para eles. Achar um grupo ou uma pessoa com quem eu me identifico pode ser natural para alguns e sofrido para outros; perceber seus melhores amigos falando e se interessando por coisas que ainda não o interessam vem com a ideia de que “não faço mais parte mais desse grupo, agora estou sozinho”.

Nós, enquanto escola, estamos o tempo todo lidando com os conflitos internos que aparecem nesse momento, e não são poucos! Continuamente os ajudamos a entender e a enxergar todos esses sentimentos de forma um pouco mais tranquila. Dar espaço para que possam nos procurar e falar sobre o que estão sentindo é algo que estamos sempre promovendo e incentivando, pois, nessa idade, ainda precisam da ajuda do adulto para entender o que estão sentindo e saber como lidar com esses sentimentos. Na maioria das vezes, inclusive, temos que ajudá-los a conversar com o amigo, pois ainda é um grande desafio conseguirem dar conta de se posicionarem, se expressarem, de ouvirem o que o outro tem a dizer. Precisamos ajudá-los a entender que as interpretações e as sensações sentidas não são compartilhadas da mesma forma para todos, mas quando há diálogo, os incômodos se tornam menores do que pareciam antes.

Já para os pais, por mais difícil que seja ver um filho sofrer, é importante lembrar que todos passamos por isso e faz parte do processo árduo que é crescer e se desenvolver. Mas precisam encorajá-los a contar com alguém da escola, pois é assim que fazemos com que eles confiem em sua capacidade de se fazer ouvir, de enfrentar problemas, de poder dizer o que se sente, pedir desculpas e se desculpar, quando necessário. Por mais que estar num novo grupo e fazer novas amizades seja algo carregado de alegrias e angústias, precisamos ajudar nossos alunos a serem capazes de achar formas de resolver suas questões com autonomia, afinal eles estão crescendo e cabe a nós dar suporte para que trilhem esse caminho.