Iqbal e o direito de ser criança

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Por Fernanda de Lima Passamai Perez

Em quase 7 anos de existência, o Vilalê, clube de leitura, leu diversos títulos que despertaram discussões acaloradas e sensibilizaram o grupo, mas nenhum como Iqbal.

Ao se propor o título, havia um desafio para além da linguagem, havia um fato real: o assassinato de uma criança. Iqbal, garoto paquistanês cuja história serve como fio condutor da narrativa, foi entregue pela família ainda muito pequeno para trabalhar como tecelão em uma das inúmeras tapeçarias de seu país, sem qualquer direito. E, diferente das muitas outras crianças que trabalhavam em situação semelhante, Iqbal não deixou de sonhar, não se rendeu ao destino que traçaram para ele.

A saga do garoto franzino e sorridente tornou-se conhecida mundialmente. Ainda que tenha tido sua vida abreviada, Iqbal deixou um legado. Esse legado inspirou desde a construção de escolas no Paquistão, bem como prêmios: Iqbal Masih Award for the Elimination of Child Labor e WORLD'S CHILDRENSPRIZE, entregues àqueles que combatem a escravidão infantil no mundo.

A empatia dos integrantes com esse personagem foi intensa. Embora A história de Iqbal seja uma ficção, ela é baseada em fatos reais, infelizmente. No decorrer da leitura, o grupo foi refletindo e tomando conhecimento de que esse cenário não era exclusividade de um longínquo país asiático. Mesmo aqui no Brasil havia crianças e adolescentes que trabalhavam em condições não favoráveis ao seu desenvolvimento, o que, de certo modo, impede o acesso delas à educação. Iniciou-se então uma série de questionamentos a respeito da falta de direitos dessas crianças, principalmente o direito de SER criança. Foi então que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) apareceu nas discussões. Mas o que é ECA? Por que a elaboração de um estatuto para garantir direitos às crianças? Criança tem direito? E se ela for pobre não pode trabalhar para ajudar a família?

Para responder às inquietações e curiosidades dos integrantes, em nosso último encontro, dia 23 de junho 2017, o Vilalê recebeu a visita de Francisco Bodião¹, mais conhecido como Chicão, orientador educacional do Ensino Médio, profundo conhecedor do ECA e ativista pelo direito à cidadania, principalmente de crianças e adolescentes – grupos bastante vulneráveis e pouco visíveis pela sociedade.

O encontro teve início com relatos dos integrantes sobre o livro e sobre a recepção da leitura por parte do grupo. Em seguida, Chicão relatou de maneira muito emocionante experiências pessoais que serviram para exemplificar a importância do ECA – que completou 27 anos no dia 13 de julho –, e seu significado para o Brasil no início da década de 1990, poucos anos depois da abertura política brasileira e com uma Carta Magna nova. Gradualmente, os presentes foram entendendo a importância de haver leis específicas, que garantam às crianças e aos adolescentes o acesso à educação, cultura e condições especiais de trabalho, com o fim de assegurar oportunidades equânimes para o desenvolvimento desses jovens como cidadãos. Entre as muitas informações que o nosso convidado compartilhou estava a de que, há 17 anos, a biblioteca Tatiana Belinky acolheu o grupo, do qual Chicão ainda faz parte, que criou o Fórum de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Butantã (FoCA), cujas reuniões acontecem mensalmente, e convidou a todos para participar da Semana do ECA – na última semana de setembro.

A história de Iqbal disparou diversas outras questões em relação a direitos para além da criança e do adolescente, a situação dos idosos no Brasil, por exemplo. Como desafio, nosso convidado propôs ao grupo buscar uma leitura que provocasse uma discussão a esse respeito. Desafio aceito!

Para finalizar, Chicão revelou um desejo: “Que a gente tenha cada vez mais dúvidas. Que a gente cada vez mais se pergunte. Que a gente não aceite de primeira qualquer coisa”.

Obrigada, Iqbal! Obrigada, Chicão!


¹Chicão Trabalhou na Pastoral do Menor da Praça da Sé.