As mídias, o ócio, os jovens

Por Fermín
Damirdjian, Orientador Educacional do Ensino Médio


estranho. Eu tenho a sensação de que vamos fazendo amizades do mesmo jeito que
vamos assistindo a séries. Vamos liquidando um episódio atrás do outro, até que
termina a temporada. Começamos outra temporada, assistimos aos novos episódios;
acaba a série, começamos outra. E assim vai. Passam os personagens, as
histórias, mas esquecemos de tudo. Nada fica."

Essas palavras foram proferidas na sala da orientação educacional, algumas semanas atrás, por uma aluna do Ensino Médio. Desanimadoras, sim, e pensaremos sobre a sua negatividade, mas com o devido cuidado para não vaticinar diagnósticos definitivos sobre as gerações atuais. Nada mais tentador para os adultos do que reconstruir o seu passado para torná-lo glorioso, identificando corrosões nos hábitos contemporâneos.

Feita essa importante ressalva, avancemos em nossas observações cotidianas. A motivação deste texto se diversifica em muitos fatores, e é possível que a tentativa de uma generalização pereça pelo caminho. Em todo caso, podemos afirmar que há certa fluidez no ar, nos dias atuais. É como se os espaços entre as pessoas estivessem bastante preenchidos com ruídos. É como se a fragmentação das informações que desfilam aos nossos olhos através das telinhas que nos interrompem o caminhar para respondermos uma mensagem, a tentação de mandar um texto em um breve farol vermelho, ou de ler uma notícia de política ou sobre a mecânica do meu carro, uma receita de lasanha ou o horário do dentista ou da reunião de famílias na escola, como se tudo isso circulasse entre as pessoas e o mundo como moscas e mosquitos. Pixels voadores. Notícias, imagens engraçadas, tragédias políticas, mensagens saudosas, tudo junto e misturado. De que cor fica o mundo quando se misturam todas as cores? O branco das frequências de luz ou o cinza da mistura química?

Em um belo – e breve – documentário chamado Quanto tempo o tempo tem (Adriana Dutra, 2014, 74 min), dentre o depoimento de alguns historiadores, antropólogos, físicos e filósofos, alguns me chamaram bastante a atenção. Um deles diz que por centenas de milhares de anos o homo sapiens percebeu o tempo por meio de sinais diretos da natureza: as estações do ano, os ciclos lunares, o dia e a noite, fluxos de água, cheias e vazantes e outros sinais naturais. É possível que na Grécia Antiga a clepsidra tenha se prestado a medir o tempo do uso da fala no âmbito jurídico, com o intuito de igualar as oportunidades de argumentação dos lados em questão. O tipo de coisa que se esvaiu durante os séculos seguintes, até retornar com força arrasadora na era industrial. Daí veio um aparelho importantíssimo, chamado relógio. Isso me fez pensar o quão apropriada é a primeiríssima imagem do filme "Tempos modernos": um relógio. A segunda imagem: as ovelhas. A terceira: os operários. Sendo assim, temos que há algo como duzentos anos, com o rapidíssimo advento da vida urbana, o tempo foi racionalizado ao máximo, trocando aquelas medidas amplas fornecidas pelos ciclos naturais por horas, minutos e segundos.

Duzentos anos, diante do tempo de ocupação do homo sapiens sobre a Terra, é uma brevidade estúpida. Algo que seria, realmente, insignificante. Porém, dentro dessa avassaladora cultura moderna, uma nova revolução ocorreu. As mídias digitais, em sua maioria transformadas em um aparelhinho de bolso, aceleraram ainda mais esse tempo, já de ciclos naturais. Nos últimos dez anos, os celulares deixaram de ser telefones e se tornaram um aparelho quase inexplicável, que rompe barreiras de tempo e mistura as novidades da vida política do seu país, os resultados do seu time e o seu neto que mora na Bélgica comendo beterraba cozida amassada.

Que efeito isso pode ter na subjetividade das pessoas?

Essa é uma pergunta capciosa. Ela pressupõe que conseguiríamos identificar as consequências específicas desses fatores em meio ao caldo de transformações culturais da nossa era, e isso não é possível, pois as transformações não acompanham apenas o passo acelerado da tecnologia digital, mas de transformações profundas no papel do homem e da mulher, do Estado, da igreja e da religião, da propriedade, do nascimento da escola moderna, dos meios de transporte que se desenvolveram e permitiram a maior circulação de pessoas e de mercadorias e um sem-número de outras transformações que agem em conjunto e em desordenada consonância desde as revoluções do século XVIII. Para obtermos um olhar mais amplo e qualificado sobre isso, devemos nos debruçar sobre ensaios e livros de autores mais qualificados.

Podemos, no entanto, olhar humildemente para nosso cotidiano e para a convivência com nossos jovens e pensar o que temos. Antes de mais nada, voltaremos à aguçada observação da aluna que proferiu as palavras citadas no início deste texto. É bem verdade que há grande fragilidade para encarar frustrações inevitáveis nas relações interpessoais, como também é frequente uma falta de brilho nos olhos diante de novidades, livros e experiências de uma geração que tem a impressão de ter tudo a seu alcance. Os infinitos canais de TV, o entretenimento na palma da mão para encarar uma viagem de ônibus na cidade ou de carro com a família, bem como para burlar a espera na sala do dentista, todos esses recursos que subtraem as habilidades humanas de se autoentreter com divagações ou com conversas constituem uma vasta anestesia para encarar a vida e os problemas existenciais.

Isso significa que há uma uniformidade entre todos os jovens? Que todos estão permanentemente alienados? De forma alguma. Convivemos com profusão de ideias políticas, bandas de música e avidez por encontros presenciais promovidos pelos jovens da escola. Há alguns anos, um grupo de meninas promove um encontro prévio ao início das aulas, em forma de piquenique, no último fim de semana das férias de verão, como forma de receber as alunas mais novas que chegam ao Ensino Médio. Isso ocorre em um parque e não tem absolutamente nenhuma promoção nem ação realizada pelos educadores da Escola da Vila. É só um exemplo de algo extremamente simples e valioso: um encontro despido de qualquer parafernália tecnológica nem institucional, de própria iniciativa das alunas. O tipo de prazer que supre a milenar necessidade de encontrar pessoas.

O que sim notamos é que os jovens que passam por esta época e que parecem sobreviver bem a ela são aqueles que têm vínculos diversificados com o mundo, os quais passam pelas mais variadas formas de cultura. A literatura, o cinema, a música, as artes plásticas, as viagens, os esportes, as ações sociais, as discussões políticas são instrumentos fundamentais para interpretar o mundo à nossa volta. Os jovens com os quais convivemos e que percebemos que não incluem as drogas, os games e o Netflix no topo de suas prioridades parecem ter aqueles elementos como pontos de apoio e de vínculos com seu entorno. Eles permitem ir além de oscilar entre a anestesia do Instagram e a pressão por escolher uma carreira acadêmica – não podemos nem devemos passar incólumes por nenhum desses fatores, mas eles não podem ganhar exclusividade no repertório cotidiano. Isso é muito pouco para dar algum sentido à vida, ainda que este seja provisório e incerto, mas deve ser rico o suficiente para preencher o espírito inquieto que assola qualquer ser humano. Somos seres incompletos por natureza. Podemos não preencher nosso ser em nossa plenitude, mas podemos entretê-lo com coisas bastante consistentes e, quem sabe, transformadoras.

A família cumpre um papel importantíssimo nesse processo. Os encontros e a vida familiar são tão importantes quanto o que ela pode promover de atividades esportivas e culturais desde a infância. Na adolescência haverá portas fechadas, cara de tédio e indisposição para as ofertas dos adultos, mas se houve um terreno prévio, alguma coisa foi plantada. E, ainda assim, será preciso insistir para marcar a rotina com algumas dessas atividades, principalmente no fim de semana. É determinante nutrir o jovem com algo mais do que a internet oferece. Quando se diz que "essa geração tem tudo ao alcance da mão", isso não é verdade. O Google não faz ninguém sair pra andar de bicicleta ou ir jogar bola com amigos. Os aplicativos funcionam pela simples lógica de fazer o usuário estender ao máximo o seu tempo de uso. 

A tecnologia digital não é o problema em si, evidentemente. Além de serem instrumentos extremamente úteis, o ócio e a distensão são fundamentais e sempre existiram. É preciso, isso sim, falar por meio dos nossos hábitos que as distrações podem ser variadas e que devem incluir o convívio pessoal, a cultura, as atividades físicas, a exposição ao ar livre. Isso por um lado. Por outro, não cair na armadilha de pensar que eles, os jovens, é que são assim. Eles não inventaram os pixels. E eles são fruto daquilo que lhes oferecemos ou do que lhes subtraímos. De nada serve proferir esses discursos com uma mão no volante e outra no celular.