Leitura crítica dos meios de comunicação: avanços e parcerias


Entrevista com Vico Iasi para a revista virtual do 7º ano

Por Luiza Moraes, professora de LPL

Em 25 de fevereiro de 1972, dia seguinte ao incêndio do Edifício Andraus, O Estado de S.Paulo estampava como manchete de capa: Fogo causa 15 mortes e pára S. Paulo.  A reportagem, que ocupou toda a primeira página do jornal, trazia uma grande foto em preto e branco do edifício incendiado e um balanço - ainda parcial - da tragédia do dia anterior. No mesmo dia, a capa da Folha de S.Paulo, com uma imagem muito parecida, noticiava: A salvação veio dos céus. Ambos os veículos relatavam aquilo que foi possível apurar entre o meio da tarde, quando começou o incêndio, e o horário de fechamento do jornal.

No ano passado, 46 anos depois, em uma noite de domingo, o Museu Nacional pegou fogo no Rio de Janeiro. Entre as 19h do domingo, momentos depois do início do incêndio, e as 13h da segunda-feira, a tragédia tinha mobilizado mais de 1,6 milhão de tuítes. Além de propagarem o fato em si, as redes sociais foram rapidamente tomadas por diferentes opiniões, posições partidárias e, também, notícias falsas. Ainda que o tema seja mais complexo do que essa comparação possa ilustrar, está claro que a maneira como produzimos e consumimos informação mudou muito nos últimos anos. 

Quem contou essa história e apresentou esses dados aos professores de LPL da Escola da Vila foi a equipe do Instituto Palavra Aberta, responsável pela elaboração do EducaMídia, programa de Educação Midiática criado para capacitar educadores a ensinar crianças e jovens a "ler criticamente e participar de forma ativa do mundo". Há tempos, a equipe da escola vem pensando sobre a leitura crítica dos meios de comunicação e a importância de construir um currículo sólido em torno desse tema. Em 2017, quando voltamos de uma viagem pedagógica internacional organizada pelo Centro de Formação da Vila para Buenos Aires, trouxemos a certeza de que é preciso formar leitores, escritores, falantes e ouvintes em nosso espaço e tempo, ou seja, é preciso formar cidadãos que dominem as práticas de linguagem da maneira como elas efetivamente circulam socialmente.

Em 2019, como mais um apoio a essa  construção, estabelecemos uma parceria com o programa EducaMídia, nos reunindo algumas vezes com a equipe do Palavra Aberta e com a repórter do Estadão, Renata Cafardo, para pensar o jornalismo contemporâneo. Na verdade, o trabalho deles vai bem além do jornalismo e está bastante alinhado ao que propõe a BNCC no que diz respeito ao campo jornalístico-midiático.  Para o EducaMídia, os objetivos da educação midiática giram em torno de ler criticamente (letramento da informação e análise crítica da mídia), escrever com responsabilidade (autoexpressão e fluência digital) e participar ativamente (cidadania digital e participação cívica). Eles abordam, então, jornalismo e informação, mídias sociais, publicidade e produção midiática.

Na primeira fase dessa parceria, nos focamos nos fazeres do jornalista e nas características do jornalismo contemporâneo para revisitar um antigo projeto da escola: o Projeto Revista, realizado nas aulas de LPL do 7º ano. Olhando para este trabalho, mas inevitavelmente pensando em todo o nosso currículo, discutimos aspectos importantes da circulação contemporânea de informações, como captação e medição de audiência, velocidade e fragmentação das publicações e da leitura, aspecto multimídia dos veículos, que produzem e difundem material em diferentes plataformas, etc. Por exemplo, é notável como um mesmo conteúdo (ou uma mesma apuração) gera uma notícia no jornal digital, uma reportagem maior no jornal impresso, uma comunicação via tuíte, um vídeo publicado no Youtube, um podcast, etc. Cada um desses meios tem um tratamento diferente da linguagem e uma intencionalidade diferente. Refletimos, também, sobre como são distintas uma notícia escrita para ser publicada no dia seguinte no jornal e outra, escrita para ser publicada rapidamente no digital, depois editada, re-editada, linkada a outras etc. Por fim, tematizamos a desinformação, a disseminação de fake news, a importância do jornalismo profissional para a democracia e, acima de tudo, a importância de tornar esses novos problemas conteúdos de ensino-aprendizagem.

Certamente, a educação midiática já faz parte, há tempos, do currículo de LPL da Escola da Vila. Além do Projeto Revista, trabalhamos com booktubers no 6o ano, com publicidade e com vídeo-crítica para redes sociais no 8º ano, com leitura e produção de artigos de opinião no 9º e no 1º ano do Ensino Médio, com produção de podcasts no 2º ano, entre outros. O desafio está, então, em aprimorar estes trabalhos, trazendo a eles, com maior consciência, a complexidade da circulação de informações no mundo contemporâneo. Ao lidarmos com booktubers e com publicidade, precisamos pensar nas interferências de conteúdo patrocinado e influenciadores digitais. Ao produzirmos vídeo-críticas para redes sociais, precisamos pensar em participação responsável e conteúdo viral. Ao refletirmos sobre o espaço para o debate na mídia escrita e produzirmos artigos de opinião, precisamos refletir sobre mecanismos de busca, fake news e  bolha informacional.

Dessa maneira, buscamos formar pessoas que saibam ler criticamente, escrever com responsabilidade, participar ativamente; pretendemos formar sujeitos que dominem as práticas sociais de leitura, escrita, oralidade próprias do nosso tempo. Não há outra maneira, então, a não ser incluir em nossos currículos os problemas contemporâneos enfrentados na leitura e na produção nos meios de comunicação.

Devido às novidades e à velocidade das mudanças que vivemos, as parcerias externas com especialistas em diferentes áreas são essenciais para arejar nosso trabalho, aprofundar nossas reflexões, encampar mudanças e consolidar permanências. A parceria continua durante o próximo ano: vamos nos dedicar a pensar publicidade, produção midiática e redes sociais. Estamos animados pelas próximas inquietações e soluções que virão!


Fontes:

Acervo Estadão

Acervo Folha

Como o incêndio no Museu Nacional foi explorado pelos dois lados do espectro político

EducaMídia