Muitos certamente vão gostar de conhecê-la por meio da narrativa de Roberta, mãe da Vila, que compartilha sua experiência, ao estar mais perto do que nunca das propostas escolares realizadas por sua filha.
Durante essas 8 semanas, aprendemos a conversar pelas janelas que temos e, corajosamente, reunimos esforços e nos apropriamos de recursos para sustentar a educação remota, pudemos pensar juntos, dialogar e reafirmar uma educação fundada nos princípios da Vila, com convicção das nossas escolhas.
Isso transparece no relato de Roberta: o valor da autonomia na produção infantil, a cooperação na construção dos personagens, o conhecimento sendo construído colaborativamente e a diversidade valorizada.
Daremos uma parada nas atividades da escola por duas semanas, férias em quarentena para um respiro neste contexto bastante estranho no qual nos encontramos. Mas é um presente receber esse texto neste momento.
Aproveitem a leitura!
Crônicas de uma família em quarentena
Lidando com bruxas
Por Roberta Martins
Vocês conhecem uma bruxa chamada Quarentina? Ela apareceu aqui em casa, num desses mais de quarenta dias em que estamos em isolamento social. Ela chegou de surpresa, vestindo suas roupas escuras, com mangas compridas azul-marinho; vinha de uma floresta não muito distante e trazia um de seus animais de estimação: uma pantera negra que se transformava em uma fênix reversa. Junto com ela vieram algumas outras: a Maldi, a Osvalda... Cada uma com suas características tão peculiares à imaginação das crianças. Claro, elas são fruto da imaginação, vocês não estavam achando que eu realmente havia me deparado com uma bruxa no meio da sala, num desses longos dias em que não podemos sair de casa, não é? (se eu fizesse uma afirmação desta, logo, logo, alguém viria me buscar, achando que fiquei maluca...).
Elas surgiram de um projeto escolar, que, mesmo com distanciamento social, pode se concretizar. Não tenho dúvidas de que o projeto dentro da sala de aula, seria maravilhoso, porém, eu não estaria lá para vê-lo desenrolar... essa é uma das coisas boas que me aconteceram na quarentena! Pude participar da criação da bruxa da minha filha, que, aliás, não aceitou nenhuma das minhas ideias, e depois, das ricas discussões entre os 5 alunos e a professora, que ocorrem uma vez por semana através de um ambiente virtual. Quanta criatividade! Estão juntos, compilando as ideias e elaborando um texto único, em que a bruxa é a protagonista.
A princípio, pareceu que estaríamos de férias. Primeiro, foi a correria para nos abastecer, levar tudo o que poderíamos precisar para dentro de casa, onde ficaríamos trancafiados por sabe-se lá quanto tempo. Em seguida começaram a surgir as várias opções do que fazer durante este tempo (que parecia tanto!), cursos gratuitos, infinitas lives, contações de histórias, viagens virtuais... Num piscar de olhos nos demos conta de que o tempo não seria suficiente para todas estas vontades. A promessa de sentarmos juntos para um jogo de tabuleiro, para compartilhar uma leitura, para uma aula de ioga, foi ficando para depois de preparar o jantar, limpar a casa, participar de uma reunião on-line ou passar a roupa. E como, quando e de que forma ainda conseguiríamos encaixar o tempo de acompanhar as atividades da escola que não paravam de chegar?
Foram dias de muito aprendizado. Aprendemos que não dava para dormir até mais tarde (só um pouquinho...). Precisávamos de organização. Saber priorizar as atividades e se necessário saber deixar alguma para outro dia. Ouvir as necessidades do outro e contemplar cada um. Ter paciência para ensinar e estar disposto a delegar.
Foi assim que as atividades da escola, que precisavam da ajuda para acessar o ambiente virtual, separar os materiais e escrever de volta no fórum, passaram a ser rotina, e ela, com seus sete anos, aprendeu a fazer sozinha. Ainda precisa ser lembrada da hora do encontro síncrono, mas, faz todo o trabalho com independência (ah, e com prazer!). Tem dia, que não se tem vontade de fazer isso ou aquilo, e, isso é compreensível. Tem atividades que não gostamos, e podemos conversar sobre a importância de fazer assim mesmo, ou de decidir não fazer. O importante, é que estamos todos aprendendo.
Estamos ansiosos pelo fim do isolamento. Sentimos saudades de tanta gente! Que vontade de abraçar a vovó... Mas, dentro de mim, surgiu uma pergunta que não quer calar: Como será quando tudo isso acabar?