Aprendendo lá longe..

 Por Silvia Elayne de Oliveira - Diretora da Escola Projeto Vida

Com o objetivo de compreender mais profundamente a escola como espaço social, no início deste ano, comecei a ler o livro O que é a Escola - um “olhar” sociológico – Ed. Porto, de Rui Canário.  Ao receber o convite do Centro de Formação da Escola da Vila para participar de uma Viagem Pedagógica a Portugal, conhecer algumas escolas do País e encontrar o próprio Rui Canário, tive uma grata surpresa: uma feliz sintonia de interesses.

A forma como o roteiro foi organizado, certamente, colaborou para nos situarmos no contexto português. Partiu do geral para o específico: primeiro, a cidade de Lisboa e seus arredores onde conhecemos os costumes e as peculiaridades do povo português. Depois, o contexto educacional, apresentado por educadores de referência do país. Por fim, já familiarizados com Portugal e seu sistema educacional, visitamos as escolas.

A insegurança provocada pela crise em que vive Portugal era visível no olhar dos portugueses, que em suas conversas falavam de um futuro incerto. Ainda assim, tivemos a oportunidade de conviver com um povo acolhedor, muito educado e culto.

Voltando ao encontro com Rui Canário, a discussão transcorreu sobre o papel do professor e nos trouxe algumas ideias para reflexão:

- O professor não ensina somente o que sabe, mas, principalmente, o que ele é. É necessário transformar a profissão de professor em uma profissão de futuro, um professor com a capacidade de questionar sua própria prática, de resolver problemas sem ter respostas previsíveis, de criar situações de aprendizagem que façam sentido para os alunos.

- Pensar no futuro é pensar em inovação. Nesse âmbito, temos, já de início, uma contradição: o professor é encarado como fator decisivo para o êxito das inovações, mas também o maior obstáculo, com sua resistência. A situação pedagógica é essencialmente de relação, portanto, os envolvidos estarão sujeitos às influências uns dos outros. Dessa forma, as práticas dos professores podem ser influenciadas pelos alunos e estas poderão ser a base para o desenvolvimento de determinadas inovações. Sabendo que o trabalho do professor e do aluno acontece simultaneamente e no mesmo local, é fundamental que as escolas sejam aprendizes sempre e contributivas para a formação dos professores, trabalhando no sentido de reforçar o profissionalismo do professor e dar a palavra a ele.

- O professor não pode ser mero “escutante”, ele deve ser alguém que discuta políticas.

Foi a partir dessas ideias que conhecemos algumas escolas em Portugal. Porém, destacarei somente duas: Agrupamento Vialonga e Agrupamento Vasco da Gama. O motivo? Explico a seguir...

Sempre que visito uma escola faço um exercício e imagino como me sentiria trabalhando naquele local. Com essa brincadeira, consigo identificar quais aspectos me encantam ou me decepcionam, quais valores aquela instituição tem e com quais eu compartilho ou não.

Apesar de ser apenas flash e de discordar de alguns princípios ligados às didáticas de ensino, consegui me enxergar nessas duas instituições, por dois fatores preciosos para mim:

- Respeito e comprometimento com os alunos.

- Brilho nos olhos dos educadores.

Em Vialonga, chegamos na “Semana de Leitura”. A professora de Biblioteca contou-nos, com muita satisfação, que estavam se preparando para o Cordão de Leitura. Acompanhei a saída das crianças para desenvolver essa atividade na praça ali perto. É um país mais seguro que o nosso, portanto as crianças saíram livremente pelas ruas sem causar medo aos adultos que as acompanhavam. Chegaram à praça e felizes fizeram a leitura de poesias.

Essa foi uma escola em que, pela primeira vez na Europa, pude ver um trabalho de Inclusão de consistência. Elaboram currículo adaptado para os alunos com Necessidades Educativas Especiais, tanto nas estratégias de ensino quanto nas expectativas de aprendizagem. As crianças passam o dia todo na escola e contam com o apoio de uma sala multissensorial e de profissionais especializados. É uma proposta muito interessante na intenção, mesmo com recursos simples. Os alunos de NEE estão inseridos nas classes regulares, porém eles têm um horário em comum na sala multissensorial. Na concepção desses educadores, dessa forma estão trabalhando dois aspectos importantes: as dificuldades específicas e a identificação, pois nesse momento não se sentem diferentes.

No Agrupamento Vasco da Gama, fiquei encantada com o cuidado com o espaço e o investimento cultural, especialmente nas Bibliotecas e nos espaços de expressão: Ateliê, Galeria de Arte e Teatro.

Um trabalho que me chamou bastante a atenção, e que pretendo conhecer melhor, foi o de mediação de conflitos feito por alunos. Dentre os alunos mais velhos, são identificados os que têm perfil para mediar um conflito. Esses são convidados para participar de uma formação para mediadores feita pelo professor de Filosofia. Passado o período de formação, eles serão responsáveis por um grupo de alunos mais novos. O papel será o de mediar as questões do grupo e de propor jogos e brincadeiras cooperativas. Segundo a Direção da Escola, é um trabalho novo, porém com resultados visíveis na convivência dos alunos.

As duas escolas têm uma Direção muito presente e próxima do grupo de professores e alunos.  Foram acolhedores conosco e, em alguns momentos, se emocionaram ao falar dos alunos e do trabalho.

O grupo de professores tem uma particularidade. Encontramos vários homens como professores polivalentes no Primeiro Ciclo, que equivale ao nosso Fundamental I, incomum no Brasil. Essa, inclusive, foi uma discussão de nosso grupo. Por que no Brasil é tão incomum? Uma questão financeira, social ou de preconceito?

Outras reflexões conduzidas pela equipe do Centro de Formação contribuíram para que pudéssemos olhar com criticidade para o contexto português e trouxéssemos para o Brasil a questão da formação de professores mais autônomos como um aspecto importante de investimento de tempo e de recursos.

Por fim, foi uma experiência rica como todas que nos tiram do lugar.

Viajar é aprender lá longe.