Ainda Barcelona: Uma escola inspiradora!

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Por Sônia Barreira

Nossa relação com a Escola Sunion é antiga. Em 2004 estive lá pela primeira vez, por indicação da professora Isabel Solé, * que aqui estivera nos dando uma brilhante assessoria na área de linguagem, e cujos filhos estudaram lá.

Ela me relatou brevemente algumas características dessa escola, mas, sinceramente, concluí que havia entendido mal, pois considerei impossível que uma instituição escolar se organizasse bem daquela maneira.  “Eles têm uma gestão dos tempos, espaços e agrupamentos entre os alunos, completamente flexível, o horário não é único durante todo o ano letivo, nem mesmo durante um trimestre, mês ou semana!” Fui conferir!

A primeira cena que vi naquele ano foi exatamente a mesma, com a qual nos deparamos na visita guiada que realizamos neste mês quando o Centro de Formação promoveu mais uma Viagem Pedagógica Internacional com a presença de quase trinta educadores brasileiros. Quatro alunos de aproximadamente 15 anos, duas vassouras e uma pá na frente da escola “varriam” a calçada da frente do prédio.

Desta vez, conhecendo o projeto pedagógico, me antecipei e contei ao grupo: cada aluno desta escola se dedica a um “serviço” escolar por 15 minutos diários, faz parte do currículo, e está na grade horária!

Fomos recebidos pelo diretor Joan Puig (a quem tento desde minha primeira visita, sem sucesso, trazer ao Brasil para contar-nos sobre sua experiência como gestor), que imediatamente promoveu um tour por todas as dependências da escola. Pudemos conhecer um dia típico dessa instituição. Através de suas salas envidraçadas, nos corredores, alunos circulavam discretamente em pequenos grupos; um desavisado concluiria que a frequência é livre, mas era apenas efeito do horário flexível.

Durante a conversa com o também professor de matemática, Joan Puig, o grupo foi compreendendo a estrutura original de funcionamento dessa escola inspiradora.

Os alunos não são organizados em salas de aula e sim por agrupamentos, formados naturalmente entre eles, de aproximadamente oito alunos. O professor, ao fazer seu planejamento semanal, define com quantos grupos naturais pretende trabalhar, por quanto tempo, e em que espaço.

Para que isso se efetive, há na escola uma pessoa especializada na confecção dos horários, que recebe a demanda dos professores, organiza e publica progressivamente o esquema de cada dia da semana. Para o trabalho com os grupos naturais há em cada andar da escola um conjunto de quatro pequenas salas de trabalho onde os grupos se reúnem, sem o professor, para o trabalho autônomo que já foi devidamente orientado. Há, também, as aulas convencionais, que juntam quatro grupos naturais ou, ainda, se a atividade requer, é possível juntar os 120 alunos da mesma série para concretizá-la.

O horário pode ser organizado em tempos diferentes. A base é de 45 minutos, mas pode haver atividades de 15, 30 ou 90 minutos.

O objetivo, segundo nos foi explicado, é adaptar o horário e o espaço ao planejamento do professor e não o contrário, deixar que horários rígidos e espaços iguais obriguem o professor a fazer um mesmo tipo de planejamento, sempre!

Em cada grupo natural, o aluno tem duas outras responsabilidades: é monitor de uma disciplina, e é responsável por um serviço de apoio à escola. Como monitor, é responsável pelas atividades em subgrupo, distribui tarefas, explica-as, recolhe-as e devolve-as ao professor, com quem se reúne (juntamente com os demais monitores dos outros grupos) regularmente. Como responsável por um serviço de apoio, ele dedica 15 minutos diários a uma das possibilidades: varrer os espaços coletivos, distribuir materiais, apoiar o setor de xerox ou, ainda, atender aos telefonemas e as visitas que procuram a escola, na recepção.

Foi dessa proposta que nasceu o nosso projeto Conviver, que ainda hoje propõe aos alunos que permanecem na escola no contraturno, atividades de apoio aos serviços escolares como forma de esses alunos compreenderem melhor os diversos trabalhos “invisíveis” que ocorrem para que o ambiente escolar seja estruturado, limpo e organizado.

Com quantos paus se faz uma canoa?

Outro aspecto que chama a atenção é a presença da equipe de professores na escola. Como são contratados por 35 horas semanais – todos – estão todo o tempo em atividade, seja em aula, planejamento, tutoria aos grupos de alunos; o professor é responsável por todo o projeto pedagógico e educacional. Dessas 35 horas, vinte ele atua em aula propriamente; o restante do tempo ele pode usar em seu gabinete individual de trabalho, espaço que causou inveja a todos os professores do nosso grupo.

Nesse regime de trabalho, a equipe de professores, juntamente com o diretor, cumprem todas as funções pedagógicas e educacionais da instituição. Equipe enxuta e eficiente!

A Escola Sunion -- como nós da Vila --, está implementando o uso das novas tecnologias e todos os professores têm seus cursos em ambiente virtual, e escolheram também, como nós, a plataforma Moodle.

Observamos que essa escola responde com dinamismo às novas formas de aprender, de se relacionar dos jovens, e investe na construção da autonomia a partir de vivências, nas quais os alunos e seus grupos tomam muitas decisões.

Não há supervisão constante, praticamente nenhuma vigilância. Monitores, bedéis, auxiliares – são apoios pedagógicos que não fazem parte do repertório da equipe da Sunion, ao contrário, os olhares frequentes são, exclusivamente, dos professores que trabalham em seus pequenos gabinetes envidraçados espalhados por toda a escola. E tudo funciona muito bem!

Certamente, isso nos faz pensar em nossa estrutura, que caminha no sentido inverso: monitores por toda a escola, auxiliares para grande parte das atividades, estagiários que apoiam o trabalho do professor, orientadores educacionais, orientadores pedagógicos, coordenadores, assistentes, sem falar nos professores, evidentemente, e todos bastante ocupados!

Voltamos intrigados e dispostos a refletir e avaliar. Afinal, em se tratando de escolas que pretendem favorecer a construção da autonomia, quantos adultos são necessários para o trabalho pedagógico e educacional?

* Isabel Solé é professora do departamento de Psicologia Evolutiva e da Educação na Universidade de Barcelona, na Espanha.